quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

a angústia da mosca na teia da aranha


“...é na angústia que o homem toma consciência de sua liberdade ou, se preferir, a angústia é o modo se ser da liberdade como consciência de ser; é na angústia que a liberdade está em seu ser colocando-se a si mesma em questão”
(Jean-Paul Sartre - O Ser e o Nada: Ensaio de ontologia fenomenológica)
-Vai vir.
- O quê?
É. Era uma certeza inevitável. Uma sensação daquelas que a mãe tem quando vai chover “leva o guarda-chuva, onde eu quebrei o pé ta doendo” essas coisas...
Olhei. Era uma treva só o céu acima daquele boteco.
-Aqui alaga. – disse Verme.
Ele disse, e era inútil.
-Tá a fim de fazer o quê? Sair correndo ou pegar o teu carro imaginário, hein?!
Era o meu jeito de encarar as coisas. Verme deu de ombros. Depois, arrependido, pensei que devia ter feito uma piada com o avião da Mulher Maravilha.
-Já era né, Belmont?!
-Fudeu.
Fizemos um tintin. Celebramos o destino inevitável das coisas, mas sabíamos que passar uma tarde presos num boteco com as calças arriadas em cima do balcão não era nada. Lá fora, outros lugares iriam sofrer algo mais que uma tarde arruinada de meros desocupados como nós. Eu, particularmente, me sentia um filho da puta.
-Por quê?
-Porque a gente é privilegiado, caralho.
Olhávamos a nuvem preta lá em cima. Algo em nossos corações se apertava.
Estranhamente o vento era divino. Uma brisa de paz que mexia com a gente, daquelas de fechar os olhos e imaginar as tardes de polícia e ladrão valendo o BNH inteiro.
Era sempre assim. Uma acariciada antes da porrada. Ou vice-versa. Era o balé dos boxers endividados, o jantar silencioso no corredor da morte, a última noite com a sua namorada sem o conhecimento do derradeiro fim, o olhar da mosca para a aranha...