"Oharu, eu sei ...
Esses homens são uns filhos da puta: nomeie todas as tragédias do mundo, genocídios, massacres, holocaustos, governos totalitários, etc...
Qualquer uma.
E eu lhe direi :tem um homem coçando o saco atrás de uma mesa e tirando caquinha do nariz, eles não sabem trepar, não sabem o que é um clitóris, tem nojo de chupar buceta, mal sabem escutar e colocam suas frustrações de suas vidas patéticas e tristes se vingando da humanidade e principalmente das mulheres que não os querem.Esses tipos ...
Oharu-chan, gostaria que parasse de sofrer, mas acho que nada mudou desde então, queria lhe dizer tantas coisas, mas não posso, querida.
Porque eu seria mais um a te iludir.Você não merece isso: lembre-se dos poemas, linda Oharu-chan"
Gostaria de dizer isso para Oharu...
Olha, que filme fudido "Oharu- a vida de uma cortesã" de Mizoguchi Kenji .Esse eu perdi uns cinco minutos, ah ,mas a culpa é da cerveja e do meu caderninho "Melinda e Melinda".
Esse filme já é uma evolução da escola japonesa que bebe em fontes muito férteis e já nessa época, mestres como Kurosawa já despontavam no mundo ganhando prêmios pelo mundo afora ; não que essa coisa de "Oh, Prêmios" seja importante para se reconhecer uma obra, mas depois de uma bomba nuclear o mundo não acreditava que o Japão com a sua fúria artística gritasse para o mundo um "vai se foder, somos fortes e filhos de samurais!".Esses prêmios reconheciam isso.
E "Oharu" ganhou o Festival de Veneza como Kurosawa e seu "Rashomon"( fudido!eu tenhoem tenho em vídeo); diziam as más línguas que Mizoguchi queria superar Kurosawa e realizou essa história sobre o Japão Feudal com suas almas vagabundas encarnadas nessas mulheres (ou melhor). nessa mulher que é o sofrimento vivo desde adolescente.
Vendo um blog de um gringo sobre Oharu, o autor disse que convidou um amigo para ver o filme (segundo ele um "mizoguchi freak"), mas ele recusou dizendo que não queria ver, disse:
-"Nobody suffers like Oharu!"
E é a mais pura verdade, na realidade tantas mulheres sofrem como Oharu e eu diria que aquela música "Taca pedra na Geni" é pouco perto da vida dessa mulher que frequentava a corte imperial e por culpa do amor inicia sua decadência perante o mundo preto e branco de Mizoguchi.
Quando entrei no cinema ,Oharu olhava para uma estátua no templo budista e via um rosto e qual não foi a minha surpresa ao ver o velho Toshiro Mifune!O primeiro filme que eu vi desse velho samurai foi "Inferno no Pacífico " com Lee Marvin e era na época em que meu pai ainda estava em casa me disse:
-Veja esse filme, Arthur.
E lá fui desde pequeno me entupindo na madrugada com filmes; não era normal..
E eu vi, e toda hora que aquele antigo locutor da Globo anunciava o nome desse samurai numa voz cheia de chuvisco em nossa antena com bombril pendurado eu iria ver :creio que ele e Mickey Rourke se tornaram os meus atores preferidos já nessa época .Depois vi "Os sete samurais","Yojimbo" etc...
E ele faz o pobre e fudido Katsunosuke que se apaixona por Oharu: desde que a viu, esse pajem de um nobre é atormentado pela sua beleza e manda um poema se declarando para ela.Numa cena linda, ele diz que Oharu será visitada pelo seu mestre, mas quem aparece na hora é o próprio Katsunosuke, ele diz que pode não ser um poeta, mas o que sente é verdadeiro e Oharu luta contra esse sentimento na hora, mas acaba cedendo ao amor desse vagabundo-poeta, que a segura forte contra seus braços.Demais.
Condenada pelo Clã por se envolver com esse homem baixo, Oharu e sua família são expulsos do feudo e forçados a viver na pobreza longe da corte imperial e o pobre Katsunosuke é condenado a morte à moda antiga: decaptado por um samurai e sua katana num golpe certeiro, o que nem todo samurai conseguia fazer pelo que sei...
Começa a procissão de dor: Oharu recebe a última mensagem de Katsunosuke e deseja morrer , pois não devia ser um mundo justo esse onde se mata a morre por amar ou ser pobre ;recebe o convite para ser concubina do lorde: lá é odiada pela esposa dele, encontra na gestação uma razão pra viver, mas tão logo o seu filho nasce, nem pode amamentar o pequeno tirado dos seus braços ; a mulher com ódio e ciúmes ordena que mandem a embora.É banida de novo e vê a família cheia de dívidas pois os pais encheram o bucho de gula às custas da triste filha usada pela nobreza, o pai implora que vá trabalhar como cortesã para pagar dívidas, mas ela não dá a mínima para o dinheiro no trabalho e os homens nojentos que ali frequentam, inclusive um falsificador de dinheiro que feliz quando está a sós com ela diz numa cena meio chocante gargalhando como um diabo"estou tão contente,o dinheiro compra tudo mesmo!".Um jovem se apaixona por ela e rouba o dinheiro do lugar e todos pensam que foi por Oharu que ele fez isso, ele mesmo dizem"eles sabem que é por você"ela é encarada como uma puta que engana os homens, mas nada tem a ver com isso.Casa-se com um homem trabalhador mas ele é morto por assaltantes quando não quis largar o obi que comprara para a sua esposa.
E ela vaga pelo mundo, esse é um filme sobre almas fantasmas que nunca são notadas no mundo , sua beleza já não se destaca, Oharu-chan com tantas desgraças...
Olha, Geni é pouco :ela é roubada pela mulher de um casal que a adota, quase é estuprada pelo marido dessa puta que a obriga a cortar os cabelos com uma kodachi; chega a ficar careca.Acaba virando prostituta e acolhida pelas figuras esquecidas do submundo se embriagando com sake.Pensa no filho, enlouquece, pensa em Katsunosuke ,pensa se é possível sofrer mais por essas quebradas do Japão...
Bem,não quero contar o filme inteiro, mas duas cenas mexeram comigo em especial:
1-Quando Katsunosuke é condenado, ele pede como último desejo uma carta para a linda Oharu e dita suas palavras para um dos samurais:"Que ela ache um homem que a ame ..."(Pausa)"E que encontre um lar feliz com esse homem.Mas que seja por amor verdadeiro!(chora-grita)".Toshiro é foda, com a espada sendo afiada e essas palavras sendo ditas com emoção ,você se segura na cadeira."algo mais?"-diz o samurai."Sim.Que não haja mais níveis sociais nesse mundo" .
Caralho.É isso aí, Toshiro: eis a luta de classes desde o Japão Feudal .Você morre, você morre por ser Katsunosuke e seu crime é ser pobre.Punk.
2-Quando Oharu já velha, embriagada e doente trabalha num prostíbulo decadente é obrigada a ir atrás de clientes na rua, e ao fundo um castelo e um céu negro com nuves escuras passam rapidamente quando um dos clientes a empura e diz "Você é muito velha."
Um conto sobre desajustados, sobre exclusão no Japão feudal, poemas que geram desgraça e mulheres como Oharu: a válvula de escape de um mundo sem sentido .
E Oharu olhando para aquelas estátuas e vendo rostos.
Mizoguchi genial, poderoso e firme.Aqui não tem final feliz.Oharu sabe disso, nós que assistimos sabemos também.Cinema japonês é forte até hoje.Fúria artística como Godzilla emergindo do lixo radioativo: a mensagem era clara, só os idiotas enxergam um mero "filme de monstros" e Mizoguchi tinha essa fúria.Um monstro de arte.
Vem mais por aí.
Sejamos firmes ao ler poemas e ver rostos de quem amamos em estátuas ,Oharu-chan.
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