Lá na Praça Pôr do Sol tinha um lugar que eu gostava de ficar:era uma espécie de varanda como aquelas de prédio,só que feita de madeira e destruída pelos anos ;era um amontoado de destroços em que só se dava para apoiar os pés em sua estrutura e colocar os ombros para segurar a sua cabeça parada enquanto ao fundo lá estava o sol hipnótico indo embora atrás de um céu cinza.Não sei se foi uma varanda ou um observatório um dia.Não sei .O que me atraía era que essa varanda se tornara atraente por ser incompleta e ao mesmo tempo tão aconchegante.
Poucas vezes senti isso: as coisas que me agarraram na vida eram como essa varanda velha e carcomida pelo tempo e eu pensava nisso enquanto apoiava a minha cabeça como Charlie Brown e Linus faziam no desenho e via um monte de gente deitada fazendo o mesmo sem ter a estrutura fudida .
E aquele sol vermelho-sangue e laranja ia embora tremulando como o fogo do inferno ,deixando a noite para deitarmos num travesseiro e pensar em tudo que nos aflige e tentamos alcançar.
Suspirávamos com alívio:
"a noite chegou"
A molecada na rua brincando de polícia e ladrão valendo os prédios do BNH,jogando bola na rua com gol de tijolos,esconde-esconde ou simplesmente conversando sobre um monte de coisas que não conhecíamos .Histórias de terror ,fantasmas ,exus .As garotas da escola ,o cheiro do shampoo de maçã que exalava dos cabelos dela .
O tempo passou.
Lá estava a varanda :inalterada ,velha e forte .
Andando de noite com a minha cachorra que insistia em me puxar e me levava para passear todas as noites como se a necessidade de sair fosse mais minha do que dela :ela me levava para as ruas para sentir um cheiro diferente a cada farejada que dávamos .
Cheiro de damas-da-noite que se abriam com o nosso passeio.
Avistei o velho telefone laranja em que eu ligava para a minha primeira amada sem ficha só para ouvir os 2 segundos de xingamentos cortados da voz dela ou dos pais enfurecidos.Ele era amarelo agora ,brilhante e sem nenhum atrativo .Eu fazia aquilo sempre só pra ouvir a voz dela.
Eu pensava nisso quando uma nuvem negra e dolorosa veio na minha vida.
Pensei na varanda e queria estar lá naquele momento .
Sei que doeu pra caralho.
Larguei a guia e nos milésimos de segundos que separavam a minha queda até o concreto ,pensei que a Lady ia fugir para a rua .Seriam duas merdas de névoas e nuvens negras numa mesma tacada .
Tudo escuro.
Um carro parou ,e eu gritei pra caralho :não vejo o porque de me deter nesses detalhes que são tão confusos
Uma porta abriu .
-O que foi isso ?-gritei para o ser humano que me segurava pelos braços e tentava me levantar.
-Tem uma garrafa ...
-Fala logo !
-A acho ...que jogarama uma garrafa em você ,tem 3 cacos ....
A garota que tinha uma voz muito curiosa ,rouca e sexy como a mulher do aeroporto que se via em filmes ;eu não sei se era ela mesmo pois nunca tinha ido num aeroporto na minha vida .
-Cadê a minha cachorra?-disse desesperado.
-Ela tá aqui ,fica tranquilo ,tá chorando não escuta ?Ela tá bem...
Eu não escutava .
Alcancei a cabeça dela e a afaguei nas suas orelhas macias como o céu .
Daí eu abri os olhos e foi mais ou menos quando alguém te pega naquela naquela brincadeira chata :algum moleque/garota diz "adivinha quem é?"e abre lentamente a sua visão tirando as mãos .E nunca se sabe quem é ,pois eu nunca acertei.
Para mim foi como se tirassem só a mão direita.
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