terça-feira, 11 de maio de 2010

plural de morte tira o sono da humanidade

-Sem possibilidades.
-Nada?!
-Não.
O que fazer? Não, não havia mais nada o que se fazer.
Ou esperar. Sem terços ou rezas novas: nem os deuses de Asgard iriam salvá-lo do terrível fim de morrer distante dos que o amavam ou sequer se importavam com ele...
Palavras ditas pelo próprio médico. O cara foi morrer aqui no cu do mundo com a melhor medicina que o dinheiro pode pagar.
Saí do hospital meio esquisito; não, não era uma dessas tristezas poéticas que os frescos dizem sobre olhar um orvalho e lembrar de alguém, era algo genérico, mas que me incomodava. Nada me remetia a nada, porque então eu estava triste? Por um cara (que eu nem conheço direito) que ta lá numa gaveta congelando com uma etiqueta no pezão?!
Morreu. Deram três tiros à queima roupa quando saía do restaurante: dois no pescoço, outro no queixo. O médico disse que se sobrevivesse ia ficar feia a coisa, de falar estranho-fudido ou de ter que fazer operações extremas para voltar a falar direito.
Depois que a gente para pra pensar vê que “falar” é uma grande merda perto de estar morto num crime hediondo de Notícias Populares, caixão fechado e distante do seu país.
É, o cara era gringo. Veio aqui a serviço, coisa bem patética e formal dessas de cliché do mundo globalizado: sua empresa ia abrir uma filial aqui e uma noitada do inferno no Terceiro Mundo ia selar toda a transação; depois de um jantar, os felizardos iam para um puteiro secreto de luxo lá na Móoca.
Eu era o cara que deu a idéia da putaria, eu era o cara que ia se beneficiar com o acordo, mas esse não se deu porque o filho-da-puta decidiu morrer baleado na saída de um restaurante. Dizem que foi assalto, essas coisas.
-Sem novidade- disse o policial.
Ia dar página de jornal a morte desse porrinha, certeza. Reportaiada na frente do restaurante, interrogatório, especulações, etc.
Se marcar, até vão me encher o saco durante o expediente. ”Diga que não estou, Cláudia”.”Sim, senhor”.
Depois quero uma chupeta dela bem ali. Isso ia me tirar a imagem do cara ali baleado, sangrando que nem um porco pela garganta e queixo tipo Poderoso Chefão. Coisa feia mesmo.
Talvez essa tristeza misteriosa seja óbvia não é, amigo? Você perdeu um grande negócio com a morte desse gringo, não é?!
Sim.
Merda. Foda-se ele e seu pé sujo e duro com uma etiqueta tosca.

Primeira página. Na telha.
“Empresário alemão é executado na saída de restaurante.”
Em letras menores:
“Polícia acredita que crime tenha sido premeditado”.
Era o que me faltava! Bem, sei de uma coisa: não fui eu que mandei matar o filho da puta antes dele assinar a papelada!
Alemão desgraçado! Porque não foi na Limo que a gente alugou?
Daí, nesse momento de puro egoísmo, pensei que todo mundo podia ter morrido.
Primeira página.
“Empresários são executados na saída de restaurante”
Em letras menores:
“Polícia acredita que o alvo era o filho da puta do alemão”.
Alemão cuzão. Eu podia ter morrido, caralho! 

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