quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

constatações póstumas de um homem que jaz inerte numa vala clandestina na Raposo


Aos que necessitam do caos para sobreviver, eis algumas constatações póstumas de um homem que jaz inerte numa vala clandestina na Raposo:

-uma vez eu ousei (só uma vez...): tomei a liberdade de introduzir o meu membro intumescido – e ocioso - em orifícios quentes e privados, e desse atrevimento veio toda a minha desgraça: o ato consumado, logo tornou-se profano e dessa nova ordem cármica das coisas, eu ganhei sete balas alojadas na caixa torácica e vinte duas no crânio (com uma certa preferência nas têmporas...).

-o cheiro do mato à noite no Butantã é o mais agradável possível; se soubesse disso (antes de tudo), deitaria todas as noites aqui observando os ÓVNIS e os açoitadores de lobisomens que vagam por essa terra abençoada; na ausência do pedaço de carne, percebi o quanto esse lugar bucólico remete a uma pintura que vi certa vez numa exposição, mas só percebi o óbvio: era feia e não me agradava; aqui, o mato úmido no leito da morte – a surpresa do sistema nervoso a registrar o olfato em matizes exacerbados – fez-me o mais nobre mortal com a morte mais desonrada.

-senhores, há algo definitivamente de belo no pós-morte, mas me falaram que se eu disser tomo porrada...

-ah, não foi a melhor noite de sexo que tive na minha vida...

-é, as balas doem um pouco, não tem essa de que é “tudo tranqüilo”...

-a única testemunha foi o assassino (e uma cadela que lambia suas próprias feridas).

-tive uma vida boa, porém contraditória: aos que querem saber de algo mais, procurem no Km 15 uma pedra com uma inscrição “neguinho Z/O”, sigam até o Norte-doze-passos-tamanho-35 e virem à direita: eis o meu corpo, quieto, sereno e se decompondo. Levem uma pá.

-o segredo da vida é que, na verdade, tudo se resume a um fim... Não, isso todo mundo já sabe... já escreveram...o negócio, a parada...o baguio é qui...(sei lá, acho que começo a perder agora a capacidade de pensar no além-túmulo...)

4 comentários:

  1. Muito bom. Cara, como dou risadas com seus textos. Neste em particular quando comenta a certa preferência nas têmporas. Rs. Ótimo te ler. Abraço!

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  2. Querido escritor,

    Achei seu texto Sensacional, ri alto com o trecho: “uma pedra com uma inscrição neguinho Z/O” e “Levem uma pá".

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