Aos que necessitam do caos
para sobreviver, eis algumas constatações póstumas de um homem que jaz inerte
numa vala clandestina na Raposo:
-uma vez eu ousei (só uma vez...): tomei a liberdade de
introduzir o meu membro intumescido – e ocioso - em orifícios quentes e privados,
e desse atrevimento veio toda a minha desgraça: o ato consumado, logo tornou-se
profano e dessa nova ordem cármica das coisas, eu ganhei sete balas alojadas na
caixa torácica e vinte duas no crânio (com
uma certa preferência nas têmporas...).
-o cheiro do mato à noite
no Butantã é o mais agradável possível; se soubesse disso (antes de tudo), deitaria todas as noites aqui observando os ÓVNIS e
os açoitadores de lobisomens que vagam por essa terra abençoada; na ausência do
pedaço de carne, percebi o quanto esse lugar bucólico remete a uma pintura que
vi certa vez numa exposição, mas só percebi o óbvio: era feia e não me agradava;
aqui, o mato úmido no leito da morte – a surpresa do sistema nervoso a registrar
o olfato em matizes exacerbados – fez-me o mais nobre mortal com a morte mais
desonrada.
-senhores, há algo
definitivamente de belo no pós-morte, mas me falaram que se eu disser tomo
porrada...
-ah, não foi a melhor
noite de sexo que tive na minha vida...
-é, as balas doem um
pouco, não tem essa de que é “tudo tranqüilo”...
-a única testemunha foi o
assassino (e uma cadela que lambia suas
próprias feridas).
-tive uma vida boa, porém
contraditória: aos que querem saber de algo mais, procurem no Km 15 uma pedra
com uma inscrição “neguinho Z/O”, sigam até o Norte-doze-passos-tamanho-35 e
virem à direita: eis o meu corpo, quieto, sereno e se decompondo. Levem uma pá.
-o segredo da vida é que,
na verdade, tudo se resume a um fim... Não, isso todo mundo já sabe... já
escreveram...o negócio, a parada...o
baguio é qui...(sei lá, acho que começo a
perder agora a capacidade de pensar no além-túmulo...)
Muito bom. Cara, como dou risadas com seus textos. Neste em particular quando comenta a certa preferência nas têmporas. Rs. Ótimo te ler. Abraço!
ResponderExcluirValeu, Waldir!
ResponderExcluirAbraço!
Querido escritor,
ResponderExcluirAchei seu texto Sensacional, ri alto com o trecho: “uma pedra com uma inscrição neguinho Z/O” e “Levem uma pá".
Muito obrigado!
ExcluirValeu pelo comentário! :)