Quando eu ouvi esses caras pela primeira vez eles já estavam mortos.Uns 300 anos.E às vezes me pego imaginando o que eles ouviam antes disso, quando não havia nada para se ouvir a não ser o barulho de bombas, guerras e depois o Zeppelin queimando no ar graciosamente gritando no rádio pela humanidade.
E aqui tenho o som deles emulado perfeito pela acústica do sistema de som da cabine: desligo o noticiário e deixo esse som me tomar a vida.A minha vida que eu vejo passar em números de relatórios e pesquisas mantendo o curso da nave na escuridão.
-Filho, está mesmo disposto a isso?
Que pergunta a do capitão!
A gente sabe quando a merda bate no ventilador e vai sujar a parede feio, e sim, eu estou disposto a isso, caralho!Respondi.
É escuro aqui: uns tons azuis, reflexos brancos de capacetes; às vezes quando tiro a roupa para tomar banho sinto algo caindo pelo corpo todo, masturbações solitárias e tristes na poeira estelar , mas me deixem aqui com esses velhos boppers que eu aguento mais um pouco.
Outro dia o merda me fala pelo monitor:
-Que bosta de música é essa?
Eu só olhei com desprezo e desejei a pior morte da história da humanidade para ele.Mas qual seria?Pergunta difícil com tanta morte interessante pra pensar...
Quatro anos de serviço até o momento, monitores e tanques e tanques de oxigênio: viverei bastante se depender do governo, mas aqui nesse silêncio a gente se acostuma a pensar na morte, humanidade e outras coisas.
-Essa é a sua condição?Você está louco?!O que vai fazer com isso lá fora da órbita?Isso é um ultraje!
É, eu tava louco mesmo, tanto, que aceitou com a língua no rabo depois: ele sabia que eu era o único idiota com as respostas para o enigma complicado que a humanidade precisava e o único gênio nascido há muito tempo nessa era de bosta onde você só escolhe características bestas com o avanço da "correção genética".Não gosto desse termo.Eu nem queria ter nascido loiro: mamãe devia ter escolhido que eu fosse negão como o velho Thelonious.Caralho, eu queria parecer com ele e não com o galã de novela da adolescência dela!
-O que te motiva a encarar essa missão?E essas exigências?
Dizia sempre a tesuda da psicóloga Dra Marie que me fez um único favor em suas dezenas de consultas: servir de inspiração para as milhares de punhetas que bato para ela olhando para a lua lá embaixo e as nebulosas inomináveis; a minha porra grossa em jatos artísticos congelada na gravidade zero dançando em slow motion contra o monitor escuro em tons azuis, o sol a leste de moldura psicodélica ao fundo tremulando com seu laranja e o pensamento nos seus peitos e coxas lambuzadas pela minha saliva nojenta e abundante procurando o caminho com a língua até a sua buceta, Marie, ouvindo o trumpete do senhor Miles Davis e as minhas exigências, Doutora...
E eu aqui, doutora, quatro anos depois: loiro, com esse pinto duro na mão que minha mãe escolheu até o tamanho com carinho pela divina "correção", batendo punheta todos os dias pensando nos peitos da senhora, olhando pro espaço a minha frente que não me responde nada além de estática e que a humanidade espera que eu a salve jogando 37 anos da minha vida fora nessa missão suicida sem que eu faça exigências, querem que eu aceite tudo passivamente enquanto o mundo joga um jovem gênio de 22 anos num fogo de vaidades incerto pelo bem da raça humana?
Pois bem, eu consegui a minha doce heroína e todo o jazz compilado no mundo até hoje.
Amanhã mudo o curso e vou viver viajando pelas estrelas e buracos negros com o som no talo nos altos falantes externos tocando Gillespie pelas galáxias, pensando numa morte poética para o capitão e na bucetinha gostosa da dra Marie e quero que a humanidade se foda .
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