"It's so easy to laugh
It's so easy to hate
It takes strength to be gentle and kind
It's over, over, over "
It's so easy to hate
It takes strength to be gentle and kind
It's over, over, over "
-the smiths-"i know it´s over
Parado na calçada com um cigarro na boca.
Eis ali o dono da padaria com o seu intervalo de fumante constante; deve ser bom fumar, as pessoas encaram isso como um dever e se o patrão fuma também, ele entende que a gente pode e deve fumar.Acho.
Então o dono da padaria fuma com aquela cara afetada, como se tudo fosse um martírio estampado no rosto e a vida fosse um inferno.Mas o dono da padaria é um cara casado com uma mulher linda e ela trabalha no caixa.Sempre sorri para mim quando compro Fandangos e me dá bala a mais no troco.Balas daquelas verdinhas com gosto de menta.
Ela sorri e balança o cabelo loiro.Às vezes acho que sorri mais para quem compra pão do que para seu marido, aquele que fuma com uma cara amarga de quem não ri nem de um gibi bobo faz tempo.Ela sorri, conversa sobre bobagem e diz Bom dia/tarde e noite.
Ele fica ali parado toda a tarde.
O que acontece com essas pessoas?
Elas fumam, sorriem, ficam putos do nada e voltam para seus postos depois de um tempo.
O dono da padaria me parece um homem triste.
A mulher me parece mais feliz, mas na soma é mais triste do que o seu marido; mas não fuma fazendo cara de cu.
Daí eu vou lá e compro um Fandangos de tarde.Decido pegar um Marlboro para experimentar, ver se ela irá sorrir e me dar balas.
-Obrigado, viu!Volte sempre!
Ganhei a mesma bala.Mesmo sorriso.Sou fumante.
Eu achava que ela ia me tratar mal, me odiar como o marido que fuma lá fora amaldiçoando as pessoas na calçada.
Penso.Fumo.
Começo a tossir muito pensando na mulher loira do caixa.Tenho raiva dela por ser tão falsa e me tratar como todos.Fico triste do nada, a fumaça sobe pela janela em uma baforada torta pelos prédios.
Não sei fazer anéis de fumaça.Nem para fumar eu presto.Não fico bonito com cara de cu quando estou triste fumando.Até Bogart ficava.
Passo lá outro dia e digo:
-Você fuma...?
Ela sorri:
-Não.
-Ah, tá...
Pego a bala e saio correndo.A voz dela me atordoa; fico tremendo por ouvir a voz dela se dirigindo a mim.Me dá um poder, sinto que posso beijá-la.Topo com o marido horrível fumando na esquina com desgosto.Acendo meu Marlboro e fumo sorrindo, solto uma leve fumaça em direção a ele com desprezo.
Quase um anel se desenha no ar e sobe pela tarde na Vila.
Em uma tarde infernal pela Pôr do Sol, descubro que penso demais nela e que talvez a morte desse pensamento me deixaria uma pessoa mais tranqüila e menos patética; acompanhando esses sentimentos, solto fumaça pelo ar como se fosse o que há dentro de mim.Fumo, como se quisesse tirar algo, como se a vida fosse tudo fumaça e os cientistas todos uns fumantes enrustidos.Milhares de propagandas, câncer e impotência sexual: fumo, fumo e fumo mais.Afasto a mágoa na esquina como o dono da padaria.
Como o dono da padaria...
Decidi comprar um Lucky Strike naquela tarde de grandes descobertas precoces onde não fiz questão de esconder nada e gritei como um presidiário quando gozei pensando na minha moça da padaria, a cueca lá, toda manchada ganharia mais companheiras.Manchas, manchas em todas as cuecas marcadas à caneta com o B de Belmont.
Penso que a amo.Imagino ela vendo um filme comigo.
”A morte em vida começa assim” -penso eu, um garoto da Vila tosca em meio a casas enormes em volta da velha praça.Se deus existe ele ouviu o meu lamento.
Lucky Strike.Outros gostos.
E então aquelas luzes azuis e vermelhas tomaram todo o ar e na esquina onde ficava o dono da padaria.Um nóia assaltou a padaria e deu um tiro na cabeça da minha amiga que me ajudou a fumar naquele período onde a fumaça entrou na minha vida.Dizem que ela não reagiu, o ladrão viu algo e puxou o gatilho.Bobo, que só eu , pensei que talvez ela naquela vida desgraçada onde todos olhamos para o céu, quisesse dar uma bala de menta e um sorriso para o seu assassino.
Não se viu mais o dono da padaria.
Eu, como Matt Dillon em “O selvagem da motocicleta” assumi o que os outros deixam de fardo para a gente e tomei a esquina para mim: lá em direção a Igreja onde tem uma banca decadente que não vende nem jornal, passei a minha adolescência fumando escondido e vendo mulheres,cachorros e carros passarem.Comprava um Fandangos na padaria nova onde não se via as manchas de seu sangue no vidro escrito "entrada" ou a sua doçura, moça loira.
Lá no mirante da praça, eu fumava e olhava para essa cidade com o seu céu cinza que a gente tira de dentro da gente.
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