“Misericordiosíssímo carneiro
Esquartejado, a maldição de Pio
Décimo caia em teu algoz sombrio
E em todo aquele que for seu herdeiro!”
Augusto dos Anjos – A Um Carneiro Morto
Volta e meia, dá meia volta.
A cabeça de boi, de vaca (sei lá) me observa na encruzilhada da Raposo, de gente que sobe a pé para o metrô, de gente que desce, que vai para o Morro do Querosene ou Além-Gotham desse lado da ponte; que vai atrás de uma glória ou guerra, de cachaça ou labuta; de correria ou paixão... A cabeça de Vaca, de Boi, enorme, com olhos serenos que não apodrecem, com uma ternura pestilenta que desarmaria o seu assassino – com o facão que a decapitou em um corte tão perfeito e uniforme -, a tranquilidade na morte da vaca.
Ela, cabeça, de vaca, permanece ali e nunca mais apodrecerá. Miasma bovino. Os abutres que perscrutam os céus do Butantã vagam ali e só conseguiram mordiscar os seus olhos; não ousam bicar a cabeça que, “impútrida”, nem de longe é obscena.
A cabeça de vaca, fétida, olhando para o céu; a cabeça de vaca é uma oferenda e jamais pensei que algo poderia ser extraído desse animal, ele lá, naquelas pastagens (nada verdes), numa bucólica estrada de terra, atropelado. Viveu, mas logo algum cowboy com alma de mercenário sensível de faroeste das antigas deu a paz para ela numa bala; a vaca, assim, foi escolhida para abençoar algo. A cabeça de vaca. Facão. Oferenda.
A cabeça de vaca foi feita para mim.
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