terça-feira, 27 de outubro de 2009

mulher louca em frente ao cinema pornô da Ipiranga


Tem uma mulher louca em frente ao cinema pornô da Ipiranga.
Fica lá, olhando as luzes vermelhas dos faróis refletidas no asfalto enquanto a chuva molha a cachorrada machucada que levou pedrada o dia inteiro. Ela fala da vingança que irá proferir a esse mundo injusto, dos que dão risada bem alta no celular e dos casais que se beijam apertando o corpo bem forte.
Ela carrega um daqueles sacos pretos de lixo, guarda ali um monte de jornais usados de 1989 e umas roupas de lã que levou do lugar que chamava “casa”; certo dia, desceu do ônibus num ponto aleatório e o primeiro canto que achou para descansar (porque ela precisava mesmo) foi ali naquele degrau. Era em frente ao cinema pornô, e naquela época os casais entravam juntos por lá, escondidos e criminosos numa tentativa de participar de algo diferente.
O cinema resiste.
A mulher louca em frente ao cinema também.
Volta e meia grita com algo que assusta os que esperam ônibus e tem casa, ou os que não têm, que vão para longe daquele lugar onde chove intensamente e há poucos lugares para se esconder sem tomar porrada da GCM ou de gente mais fudida que ela. Sempre tem.
Passa o bando de molecada tirando sarro dela, e a louca continua falando: sai um cara que acabou de receber uma punheta assistindo filminho e olha aquela mulher sentada no degrauzinho do cinema pornô gritando, pensa “caralho, que noite do cacete!”. É um pensamento de satisfação do maluco, como se a louca fosse uma coroação da sua transgressão ali no cinema. Um chamado.
A louca é um detalhe, uma alegoria, uma distração.
Ela grita todos os dias em frente ao cinema pornô. Ela grita. Esperneia e arranca os cabelos, mija nas calcinhas feitas de sacos plásticos e caga numa árvore na República.
E eu passo ali todas as noites olhando pela janela do busão que nem cachorro triste, vendo o centro escuro como um pano de palco que nunca se abre. Personagens em algum lugar de Gotham.
Em frente aos teatros cheirando cola.
Cassetetes na nuca de mendigos.
Cachorros sendo esmagados por sádicos.
Gente rica sendo enrabada por gente pobre.
E a velha lá, grita, canta e amaldiçoa todos nós que passamos por ali.
O cara que recebeu uma punheta sofreu um acidente na Rebouças e não andará nunca mais.