terça-feira, 24 de novembro de 2015

todo mundo já viveu um romance adolescente patético

Nos encontramos no meio do caminho da escola.
Ela voltava. Eu ia.
Parei, tomei um susto. Aquela cara de idiota que não sabe o que fazer quando encontra uma garota. Ela sorriu. Estava linda. E eu me confundi na hora de dar os beijinhos no rosto. Tinha uma maldita época (ou melhor: amaldiçoada época) que o pessoal não se decidia se dava um beijo no rosto, dois, ou – pior – três..
Caralho...
Eu, claro, fui dar um. Mas senti uma bochecha virando. Dei mais um. Depois outro.
Tudo aquilo tinha que acabar logo.
Eu não sabia o que fazer naquele momento. Gostaria tanto de levá-la na Pôr do Sol, cabular aula ou fugir para algum lugar… mas eu não saberia fazer, desenvolver a narrativa, ou elaborar uma fala para convencê-la a fazer algo que se passa na minha mente. Minha retórica era péssima. Era triste ser jovem, adolescente, feio, idiota, com uma pá de espinhas na cara… amaldiçoada época.
Não tenho saudade. Nenhuma. As pessoas bonitas jamais entenderão o drama dos mais feios.
(e vice-versa… mais versa do que vice)
Foi um encontro casual. Seria mais prazeroso depois que ela fosse embora. Eu respiraria, deixaria o horror (e a timidez) darem suas últimas convulsões e meu corpo permaneceria estável por alguns minutos... E foi. Ela me cumprimentou, perguntou da minha mãe, do meu irmão, sorriu e disse “tchau”. Aquele papo furado. “Será que vai chover?”. Coisa rápida. Eu fiz o mesmo. Depois de uns passos, olhei para trás e vi aquela bundinha redondinha num shortinho jeans se afastando.
Claro, ela não olhou para trás.
A escola era longe, mas o tempo passava rápido na minha cabeça. Eu ficava pensando em monte de coisas. Tinha muita putaria, claro. Tinha muita história. Tinha muita coisa de desenho. De quadrinhos. De videogame. O tempo passava. Chegava na pracinha, perto do colégio público. Tinha uma espécie de mosquinha planando no ar por esses lados, imóvel, que eu chamava de ‘helicóptero”.
Sempre tentava dar um tapa para acertar o bicho (!), mas sempre errava.
Tinha dobradinha de Biologia e Matemática naquela sexta. Professores filhos da puta, que mente doentia! Numa sexta-feira... uma dobradinha doentia dessas?! Uma eternidade. Eu fiquei rabiscando o Bob Cuspe na última página do caderno e olhando pro cabelo encaracolado da menina na carteira da frente. Ela era bonita também, nunca trocamos uma palavra sequer; a não ser a vez quando ela me pediu uma borracha emprestada na prova de Geografia. Eu terminei a prova antes e saí da sala para beber água. Levanto a mão.
“Pissora, pos-…”
“Pode…!”
Quando voltei, a borracha estava lá. Na minha carteira, do lado do estojo de pano. Não houve “por favor” ou um “brigado”. Tudo bem, eu faria o mesmo.
Eu tinha o olhar parado em um desenho na carteira enquanto pensava nisso. Estava escrito ‘Metal Punk Death’; e um desenho de um carinha cabeludo de jaqueta jeans batendo a cabeça e erguendo os punhos para cima. Da hora, queria desenhar assim.
Toca o sinal para a segunda dobradinha. Intervalo. Tomo água da torneira. Água fria, gostosa. Molho o cabelo. Os playboys compram coxinha e refrigerantes com o dinheiro da mesada. Eu almocei antes de ir para a escola para a fome não bater à tarde. Sorriem para caralho não sei do quê. Eu fico lá, com um ódio do caralho no coração fitando aqueles putos tomando refri e comendo salgadinhos. Depois, um ano mais tarde, roubaria uns chocolates no supermercado por pura rebeldia e inconsequência. Não era fome, era necessidade de destaque.
3:15 da tarde. Pensei nela, naquele encontro de merda à tarde, nos três beijinhos patéticos...
Voltei para a classe. Tinha gente que trazia lanche de casa. Eu entendia. Sempre tinha uma menina crente, com um cabelo enorme e saia comprida, que sorria quando eu a encontrava na sala comendo um fandangos. Até era bonita, mas não gostava de se misturar. Ela me olhava, sorria e voltava a comer. Bem despreocupada. O inferno das relações é a necessidade da comunicação: esses encontros inesperados em que o terror grita na sua cabeça e você só quer ir embora. Essa menina, a crente, entendia disso e eu tinha uma simpatia enorme por ela: ela se sentia invadida e eu também. A maior parte do tempo queremos ficar sós, com o narrador em off, naquela putaria e bagunça de abstração que parece a sala de casa com as roupas sujas.
Sento na carteira toda rabiscada. O desenho do carinha de jaqueta continua lá. Sorrio.
Escrevi o nome dela no caderno. Da menina do encontro de merda daquela tarde na ladeira.
Última página do caderno de 8 matérias. Gigante. Pouca coisa escrita. Um monte de desenhos. Umas fórmulas que não entendia. Uns gráficos tortos sem régua. “Bárbara”. Um Bárbara escrito em estilo de pichação anos 90 no meio de um monte de Bob Cuspe, Eskrotinhos e Batmans canhestros. Era uma coisa bonita no meio de um monte de rabiscos. Eu queria saber desenhar (ah, como eu queria), mas aquele nome no meu caderno foi a coisa mais bela que as minhas mãos garatujaram naquela tarde. Longa.
Bateu o sinal e eu voltei para casa. Sozinho. Tinha os trutas que pegavam o mesmo caminho, mas saí na frente para ir pensando nela. Gosto de ficar sozinho. Ninguém entende isso. Se a gente ficasse falando no caminho sobre os cartuchos que pegaríamos na promoção da locadora não haveria paz. Amanhã é sábado, dia de alugar fita de Mega e ficar com ela até segunda. Eu escolheria um Kid Chameleon pela décima vez. Que jogo foda.
A vida seguiria o seu curso de qualquer forma.
Noite. Passa um filme de putaria nacional. Na chamada, como era de costume, os caras já colocaram todas as cenas de sexo, e tem a Adele Fátima. A Adele! Não perco isso. Nenhum muleque perde essas coisas.
Penso na garota do encontro de merda enquanto gozo assistindo à cena da Adele. Naquela blusinha branca dela e o shortinho jeans à distância. A pequena morte, precoce, invade o corpo. Não preciso de papel higiênico. Não preciso de nada.
Ela, essa garota, a Bárbara, era uma amiga da família. A minha mãe conhecia a mãe dela. Amiga de igreja, amizade estéril e insignificante. Essas coisas. Ela é mais velha. Uns dois anos. Tá no 3º ano. Deve ter alguém no telefone para falar à noite.
Eu não tenho telefone, sempre invejei quem tinha.
À noite o quarto/sala tem uma penumbra. A luz da cozinha fica acesa a noite inteira para afastar os ladrões. Queria dormir no escurão, mas a minha mãe tem medo dos invasores. Eles nunca vieram. O teto cheio de rachaduras, umas manchas escuras e marrons. Um fio de luz deixa as manchas mais escuras ainda, formando padrões abstratos. A cortina da sala tem uns desenhos de folhas; e com a pouca luz vinda da cozinha, consigo formar um rosto, dez, cem olhos me fitando na cama pelo tecido. Ouço um cachorro latindo na madrugada. Um gato mia bem curtinho. Um cara dando uma risada muito alta. Uma garrafa quebrando. Um carro passando com um som bem alto tocando sertanejo. Uns passos pesados pelo quintal dos moradores da casa do fundo. Talvez seja o marido que trabalha de segurança e volta tarde. Uma gata no cio, ensandecida, no telhado do vizinho. Demoro para dormir.
“Bárbara”.
Um som que sai da boca de um jeito esquisito na noite.
Adormeço.Tenho um sonho. O mesmo.
Sonho que estou voltando da escola. Quando viro a esquina, dou de cara com a minha casa pegando fogo. Todos no bairro admiram o espetáculo. Uma enorme fumaça preta eleva-se às nuvens, toma as alturas, indo em direção ao enorme buraco negro que se abre no céu...