quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

foi nisso tudo que eu pensei enquanto enfiava a colher em você.

Engraçado...
Como daqui de noite desse ângulo a ponte do rio Tietê parece coisa de ficção científica: uma rampa alta que faz uma curva pra direita, outra embaixo do outro lado oposto, uns contrastes alaranjados sobre as luzes de postes que projetam amarelados disformes sobre os trabalhadores que aparecem como sombras rápidas da madrugada desse lado do rio.Coisa de "Metropolis ".
Eu pensei nisso lá naquela mesinha, com o bicho na minha cara, de frente pra essa aberração hipnótica...
As madrugadas do Butantã em que se atravessa a ponte sozinho são noites dignas de serem memoráveis: a lua no céu escuro de Gotham, aquele pântano escuro lá embaixo em que você olha e dá até para ver e ouvir as bolhinhas tóxicas estourando e a solidão que não te machuca.Você, sozinho lá o máximo que pode te acontecer é trombar um bando de malucos que sonharam com uma noite "horrorshow" bem laranja mecânica: não, não se corre pra trás, pra frente, nem a leste por que o pântano te espreita e a oeste os carros passam rápido com os ossos de cachorro ornamentados em seus párachoques vindo da Raposo.Ah, mas nem tenha medo.Nem pega nada se eles não sentirem cheiro de sangue.
Porque vale a pena passar pela ponte e ver a garota bêbada pixando uma frase apaixonada num muro da Corifeu e pisando na latinha de spray com raiva, linda, pouco se fudendo com enquadro.Ela escreveu que amava um cara."Que sorte esse cara tem", pensei.
Atravessar a ponte e lá em Pinheiros ir no Pão de Açúcar comprar Itaipava a 90 cents e encontrar uns irmãos que te ajudam nas moedas.
Existem coisas na noite que não se veem em altas velocidades, porque as coisas são mais rápidas ali em baixo, tem que estar no concreto, no limiar entre os mundos que a ponte separa e une.E existem tantas pontes entre as cidades, mas nenhuma é tão estranha como a do Tietê: é a nossa Stonehenge feia, suja e vergonhosa em que é o único monumento no mundo em que se pode cuspir catarro misturado com vinho; na verdade você é convidado a cuspir (deveria ter uma placa:cuspa nesse rio) e ver aquele som ir diminuindo e tentar enxergar onde foi parar.Mas nunca se escuta.E você pensa na vida acelerando os passos.
E eu cansado, consegui fazer a travessia sozinho mais uma vez e caralho, que satisfação dá na gente!E me lembrei, me lembrei da tendinha que sempre passava e nunca parava.Lá mesmo é que eu vou.Esse seria meu prêmio: tem que se comer às vezes, Belmont.
"Dogão do Carioca da Usp".Frango, sei lá quantas salsichas, provolone, queijo, molho-não-sei-o-que, batata palha, sei lá, vai:polenta, cuscuz, feijoada, uma caralhada de coisas.
Uma colher em cima.Se come o Dogão com uma colher e eu devia saber que detalhes como esses não são meros "enfeites", por que na verdade não dá para comer ele com as mãos, (pelo menos não com aquelas que os seus pais te deram), tem que ser com a colher mesmo .Eu digo isso porque eu tentei na forma "tradicional".
Caralho q ue monstro gorduroso, calórico, pesado e...Ducaralho de bom!
Não é delicioso, pra falar a verdade nem é bom, mas mata a fome e vai te diminuir um pouco a ressaca com uns goles d´água amanhã quando você estiver no trabalho pensando na morte da bezerra.
E eu ali olhando e ...
Bem...
Foi nisso tudo que eu pensava segurando o Dogão nas minhas mãos.
Quer dizer...
Com a colher.

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