quinta-feira, 27 de março de 2008

no fundo do lago

Existem pedras que brilham em lagos ermos
são jóias que reluzem mais que o reflexo das águas
ofuscam mais que os espelhos que eu apontava na cara dos adultos]
essas pedras são meus órgãos que joguei um dia na praia.]

E outro dia,cortando os meus pulsos na beira da água
balançando os pés como criança
vi eles se misturando ao meu sangue defeituoso
sugaram ele todinho
e brilharam mais ainda.

Tampouco morri
nem tenho mais sangue;
eles agora fazem por mim o que me incomodava.
Agora me sinto melhor :
apago cigarros nos meus olhos
engulo cinzas
jogo álcool pelos braços em carne viva.
e lhes afirmo:eles brilham lá no fundo do lago
e eu apenas lhes ofereço mais dor para suportar.
Eu nunca havia sentido esse prazer na vida antes...

sexta-feira, 21 de março de 2008

quark´s summertime

Quando eu nasci nesse mundo ele já era assim...
As armas já estavam aqui ,os prédios erguidos,as roupas já estavam medidas e as doenças já matavam .
E quanto mais gente doente morria ,mais gente doente nascia.
A primeira coisa que eu me lembro ,é do som de um rádio velho vindo no fundo de tudo e de músicas velhas tocando;a mesma música que ouvimos hoje pois não há mais bandas,cantores ou sintetizadores:só os nossos passos descendo a rua assobiando alguma canção qualquer.Nós,com as nossas armas descendo a Isabel de Castela .
Assobiando.Nesse assobio que crescia pelo bairro e de repente pela cidade .
Não víamos ninguém pelas ruas .Deve ter sido tedioso quando esse mundo ainda tinha televisões ,gente emporcalhada por todos os cantos com roupas caras e carros feios de um mal gosto terrível fazendo barulho .Hoje não há mais nada disso e se temos carros, eles são os velhos e fudidos carros dos anos 50 com uma pintura borrada ao nosso estilo.Os bons ,os maus e feios como nós.
Agora não há mais tanta gente nas ruas.
Se eu não matei, o mundo fez esse favor ;e as pessoas que as mataram ,provávelmente morreram pelas nossas mãos .Senão ,o caixão já tava pronto e não havia mais nada o que se fazer além de ser devorado por vermes e um sorriso na boca por ter morrido num duelo ao pôr-do-sol com balas dançando.
Não ,não temos mais romance ou amor:daríamos um tiro na cabeça de Ingrid Bergman se não a pudéssemos ter e o caralho que ela ia embora num aviãozinho de merda!:iria numa bala e num choro triste de assobios ébrios em volta de uma fogueira numa noite dessas.Tudo o que lamentamos vem em assobios doo-wop.Vem de uma dança da morte num vento frio dessa cidade.
O mundo já estava assim ,caralho!
Nem estávamos aqui quando a tal Presidente Sacha subiu no poder ,porque bem...ela não poderia subir em nada nesse mundo de hoje e dizem que tudo isso começou com ela e seus decretos.Os garotos sabem que eu leio um pouco e se todos sabem disso nessa minha vila ,devem agradecer a mim :eu contei para todos nessas rodas de assobios regadas à álcool zulu com guaraná em volta de uma fogueira.E era sempre a mesma coisa.
Descíamos a Isabel a pé.
-B.B quando a gente pode ir para a Paulista ??
Estávamos assobiando-doowop lindamente "You´re going to lose that girl" quando Miss Carriage teve que interromper o nosso transe .
-Carrie ,se você acha que ser a minha mulher significa interromper o assobio do bando quando quiser isso pode ser ruim pra sua saúde,querida.
Ela me olhou com desprezo.
-Não sou sua mulher ,porra nenhuma!
Eu sorri para ela.
-Só quero ir matar uns Woodyz por aí !Até quando eles vão ficar lá no Masp,hein B.B?!LÁ É O NOSSO LUGAR ,PORRA!-ela disse explodindo.
Todo mundo balançou a cabeça,inclusive eu.Tinha que reconhecer que já tinha se passado muito tempo.
-Miss Carriage tá certa :a gente tem que ir lá o mais breve possível .
Nate falou essas palavras com aquela voz grave estranha e já tinha falado demais por um mês.
A coisa tava séria e os assobios tinham que cessar mesmo.
-Carrie ,meu amor:quantas armas no QG?-disse passando as mãos nos seus cabelos loiros encaracolados.Me deu um tapa na mão e virou.Ri.
Carrie parou e ficou falando sozinha olhando pro céu.Depois começou a contar com os dedos ,e quando usava as duas mãos para terminar a conta,reutilizava a outra batendo as pontas dos dedos no nariz um por um.
Quark,o novato, ia começar a rir quando eu fiz um gesto daqueles como se tivesse passando uma navalha no meu pescoço e depois apontava para ele calar a porra da boca .
Terminou a conta .
-Juntando todas as armas da vila e agregadas ,temos 53 .Já de munição temos ...
O mesmo ritual .Quark virou o rosto e dava para ver que rachava o bico.Me aproximei dele lentamente e passei a mão em volta dos seus ombros.Falei baixinho no seu ouvido.
-Ô seu merdinha protegido do Nate :cê sabe quem matou mais gente que eu já vi na minha vida?È essa louca que conta desse jeito engraçado e essa é a coisa mais normal que ela faz; se você começar a patrulhar com a gente desse jeito,amanhã a gente vai tá de ressaca mijando de manhã no teu corpo ,falô?!
Ele ficou sério.
-389!!!!389 balas!!!
Balancei a cabeça indo em direção a ela.
-Caralho,querida...
Silêncio.
-Quanto isso dá para cada um ,Miss??-disse Archie.
Quark explodiu .Ria para caralho.Caiu no chão de rachar o bico.
-Desculpa B.B !!Nate!!Mas tá foda isso!!!!!!!!!HAHAHIHI!!
Carrie fez aquela cara de diabo que eu conhecia há muito tempo.Ia puxar a Glock 17 que dei para ela quando nos conhecemos agachados num bunker na Praça Ramos.Nos beijamos em meio as balas que viam de cima do Teatro Municipal em ruínas.Velhos tempos.
-Miss não vai dar um número exato ,né?!-eu segurava a mão dela a tempo naquela situação tensa do diabo.
Ela balançou a cabeça ainda com ódio de responder a minha pergunta.
-Bem, então acho que vou arredondar um pouco a conta.
Dei um tiro na cabeça de Quark que rolava de rir no chão.
A bala pegou de lado na orelha dele,bem no buraco de cutucar com o cotonete .Nate ia pegar no coldre,mas desistiu.Ficou com a mão na coronha por fora como sempre ficava,mesmo quando tomava seu café amargo...
Quark deu uma estrebuchada que nem gato atropelado.Depois ficou quieto.
Soltei Carrie.E fui caminhando em direção a Nate.
-Desculpa,Nate.Mas ele nunca ia ser um pistoleiro como nós.Ele vê graça demais na vida.Você sabe disso.
Tirei o chapéu.Nate não dizia nada com os olhos ou com a boca .Isso irritava Miss Carriage que vivia dizendo para mim que isso era perigoso.Ele não precisava dizer nada .
Milhares de coisas se passaram na minha cabeça naqueles segundos .
Ainda bem que fui eu que atirei.Se fosse a Carrie ,ela responderia ao toque no coldre de Nate também.Aí a merda estaria feita e dois dos melhores pistoleiros que já vi na minha vida iriam trocar tiros.Acabaria a vila e tudo o que conquistamos.
Me assustei com o pensamento.
-Bem,a única coisa que posso fazer é assobiar...
Nate tirou a mão da coronha.
-Qual era a música dele, Nate?
Nate olhou para ele e balançou a cabeça.Uma poça de sangue se formava do buraco onde era para estar as hastes flexíveis que esse mundo inventou antes de nascermos.Até elas já estavam aqui antes das nossas balas voarem.
-Ele assobiava mui...
Uma voz sombria e triste falou num esforço tremendo interrompendo Nate.Meio baixa.Meio tremida.
-Ssss..Sssuuuuu ....Summertime.
Todos nós nos entreolhamos e sabiamos quem tinha dito aquilo.
Caminhamos em sua direção.Fizemos um círculo em volta.Nos olhamos para ver quem ia começar para pegarmos o tom .Miss Carriage como sempre ,começou a assobiar tristemente aquela guitarra triste como ninguém.
Eu,Nate,Archie e Johnnyboy entramos na segunda parte em uníssono perfeito.

O sol sumia lá longe .Olhei o sangue preto de Quark encontrar o meu Doc Martens.
Assobiávamos bem a velha Janis.Isso sim não estava aqui quando nascemos.Era uma coisa nossa.Só nossa e não tinha nada a ver com o mundo véio.

Summertime para Quark.


continua...


domingo, 16 de março de 2008

um travesseiro colorido e estampado de gatinhos.

Estamos bem,criatura.
Aqui a grama cresce aos poucos no nosso jardim e eu tomo café na escadinha olhando para a rua vazia todos os dias de manhã antes de trabalhar.As pessoas se apressam para tomarem o ônibus e quando faz frio a gente vê lã por toda a parte e um belo dia desses, vi uma mãe colocando uma touquinha horrível e pequena na cabeça de uma criança que fazia uma careta engraçada.Eu me lembrei de mim mesma e da manha que eu fazia todo o dia para ir para a escola , minha mãe ia me colocando o tênis no pé ainda na cama.Saudade de mamãe.
De repente ,fico triste pensando nisso e vou com a cabeça encostada no vidro do ônibus e o que se passa na minha cabeça é um vazio:dou risada no trabalho ,rio de piadas,retribuo sorrisos e se tirassem uma foto minha nesses instantes veriam que tudo está bem e o que ouço é isso o"tá bem" de todos .Estaria bem em qualquer canto desse jeito e em qualquer lugar :rindo,vendo a vida esbarrar de leve com cotovelos na minha bolsa quando ando no centro da cidade e me ocupando com as livrarias e as palavras daqui .Tenho saudade de tudo e não é só de ti :é do completo que já não é mais esse todo.
Sucessão de fatos ,de romances e de orgasmos rotineiros que todos merecemos .
Estou bem,criatura.È o que todos eles dizem.È o que todos dizem de você.
Devo acreditar neles?Porque nem eu acredito no que dizem sobre mim.
Estar bem é estar viva e não receber um sermão no dia do seu funeral e isso não é o pior que acontece com a gente .Estamos todos bem:trabalhando,estudando,trepando,comendo coisas gostosas quando pudemos e vendo cinema ,solitários nessa matinè a tarde num filme que ninguém quer te acompanhar e só tem você na sala ás duas da tarde numa folga durante a semana.
E eu não consigo pensar em ninguém além de você para estar comigo na matiné.
Estamos bem.
Vendo a grama crescer.
Sorvendo o café devagar.
Acendendo um cigarro pra fugir do trabalho.
Dando risada de uma bobagem qualquer.
Tendo saudade,fingindo e sufocando o peito de dor no travesseiro colorido e estampado de gatinhos todas as noites.
E escrevendo cartas sobre o inexplicável terror de estar bem.

segunda-feira, 10 de março de 2008

em face dos últimos acontecimentos


Oh! sejamos pornográficos
(docemente pornográficos).
Por que seremos mais castos
que o nosso avô português?

Oh! sejamos navegantes,
bandeirantes e guerreiros
sejamos tudo que quiserem,
sobretudo pornográficos.

A tarde pode ser triste
e as mulheres podem doer
como dói um soco no olho
(pornográficos, pornográficos).

Teus amigos estão sorrindo
de tua última resolução.
Pensavam que o suicídio
fosse a última resolução.
Não compreendem, coitados,
que o melhor é ser pornográfico.

Propõe isso ao teu vizinho,
ao condutor do teu bonde,
a todas as criaturas
que são inúteis e existem,
propõe ao homem de óculos
e à mulher da trouxa de roupa.
Dize a todos: Meus irmãos,
não quereis ser pornográficos?

Carlos Drummond de Andrade

sexta-feira, 7 de março de 2008

be kind

esse é o véio buk com seus 50 e poucos anos se divertindo no seu apê...


we are always asked
to understand the other person's
viewpoint
no matter how
out-dated
foolish or
obnoxious.

one is asked
to view
their total error
their life-waste
with
kindliness,
especially if they are
aged.

but age is the total of
our doing.
they have aged
badly
because they have
lived
out of focus,
they have refused to
see.

not their fault?

whose fault?
mine?

I am asked to hide
my viewpoint
from them
for fear of their
fear.

age is no crime

but the shame
of a deliberately
wasted
life

among so many
deliberately
wasted
lives

is.

Charles Bukowski

sábado, 1 de março de 2008

cuidado com o cachorro bravo.

E veio o fim de semana aqui nesse lugar .
E as casas ,prédios,edifícios vazios e as ruas vazias com os tumbleweeds que eu adorava rolando pela calçada que nem filme velho de faroeste foram tomadas pelos habitantes de Gotham num átimo.
Mas aqui não é Gotham .Esse lugar se chama Praia Grande e em quase um ano mudou muito: dá pra se sentir meio Scarface por esses lados com suas palmeiras tremulando pela avenida que brotaram (prefeito lunático que quer tornar essa cidade a Miami do Terceiro Mundo) e o sentimento brega-80´s-thrash-crime-decadência se acentua com os que vem da cidade grande povoar esse mundo com grana ,trepadas mal dadas e crack;e devo dizer que ela fica interessante desse jeito.A cerveja aumenta em todos os lugares ,e deve se fazer um estoque com bebida de supermercado na geladeira.
As coisas estavam complicadas já há um bom tempo.De Doritos ,você tem que procurar preços menores ;então do Doritos você passa pro Yokitos presunto e do Yokitos pro Fofura,do Nissin Lamen pro miojo do Tom e Jerry que você pega numa cesta de promoção e que vence daqui a dois dias .E assim vai ...
Foda-se.Tô ótimo.
Cerveja,vinho e vodka no começo .Depois só cerveja Sol de 0,79 cents num supermercado perto do Forte .
E esse seria o meu fim-de-semana.Saindo com o ùltimo Latão de Skol na mão e uma Sol enfiada no bolso de bermudão-90`s e camisa do Social Distortion .
Quase um local...
A medida que acabava ,eu voltava e fazia outra viagem .
Era meia noite e tava perfeito para sair .
E lá fui eu a andar pela calçada da praia .Miami era um lugar interessante de noite.O sentimento na minha cabeça era amargo e de uma terrível tranquilidade ,essa a de estar sozinho num lugar que não te conhece.Mas ,aos poucos fui vendo que aquele lugar era mais íntimo meu do que parecia e seus flashbacks e imagens gloriosas se formavam em todos os lugares que avistava, a areia que a brisa do mar levantava e enchia minha meia grunge ...
Cabeça longe e ao mesmo tempo a menos de metros dessas lembranças.Suspiro.Bebo a cerveja.E as pessoas vão passando por mim e buscando algo.
Nos quiosques ,que durante a semana não se toca muita coisa a não ser a FM preferida do dono ,no fim de semana o Cd da Ivete Sangalo é tocado insistentemente :e lá você imagina aquela tesuda-coxuda cantando a sua música merda e broxante(o que é um contraste,né?!) pulando e gritando aqueles gritos bem mecânicos de shows ao vivo "Sai do chão!!", e eu "amo vocês!!".
E os quiosques se enchem.Melhor assim.O povo precisa viver nessa relação de ódio e amor com Gotham.E as calçadas precisam ficar mais vazias para se andar com gosto de algo na boca.
Um som ecoava num deles.Uma guitarra inconfundível.E vinha dum quiosque perto .Bob Marley e nada mais ,nada menos que a minha música preferida do rastafari :Buffalo Soldier.
Nossa ,como era bom ouvir algo bom e que eu gostava depois de horas e horas enchendo a cara com a trilha sonora do inferno por essa noite maldita e divertida .
E eu ,eu cantarolava a letra na calçada com as palmeiras e flutuava nos céus como Charlie Brown fez quando dançou com a garotinha ruiva e nem se lembrou.

" I'm just a Buffalo Soldier in the heart of America,
Stolen from Africa, brought to America,
Said he was fighting on arrival, fighting for survival;
Said he was a Buffalo Soldier win the war for America"

Eu cantarolo e falo sozinho que nem xarope .Sabe aqueles retardados que ficam mexendo os lábios na multidão fazendo guitarrinha na empolgação??Pois é.Quando era pequeno ,uma tia filha-da-puta veio dizer para a minha mãe que eu poderia estar com "distúrbios".
E quando o meu olhar e o som se coincidiram em harmonia ,uma garota que bebia com uma amiga no quiosque ,cantarolava a canção e naqueles momentos clichês de filme teen-sessão-da-tarde ,desviou o seu olhar em câmera lenta com os lábios no "yoy ,yoy yoy" de Bob Marley.As letras e olhares se cruzaram.E ela era linda ,com o seu cabelo preto preso numa piranha com uma blusa branca e saia verde-escuro que balançava com o vento.
Eu passei olhando,desviei por um momento o olhar e despejei cerveja Sol na goela.Uma cerveja na goela,um momento bom :a vida é feita de troços assim .
E lá fui eu andar .Claro que ia voltar .
Não ,não podia beber no quiosque ,só se fosse tomar uma água de torneira pelas condições.Voltaria pro apartamento ,carregaria mais cervejas nas mãos e bermudas.E beberia olhando para a garota mais linda e interessante de Miami.
Voltando lá,tinha gente no calçadão e agora a noite era dos que são filhos dignos dela:tinha um travesti meio coroa fazendo ponto no banquinho ,nóia de Gotham com os olhos perdidos no mar e os bebuns de cerveja em isopor .Um bando deles me cumprimentou e eu acenei de volta .Sentei num banquinho de frente pro mar a poucos metros do quiosque e a garota.
E lá fiquei admirando ela e como isso tinha um sabor eterno...
Como as garotas na época do colégio que passavam em grupo na hora do recreio por nós :muleques sujos de camiseta Hering branca-suja e calça Adidas falsificada do Paraguai ,sentados na arquibancada mais escura onde tinha sombra, olhando a beleza e não se preocupando em tê-la,porque,caralho era bom olhar e pensar nelas!!
Inconscientemente ,(não)sabíamos que nunca teríamos essas garotas porque elas nunca nos escolhiam na dança da vassoura quando tocava Tracy Chapman cantando "Baby can i hold you"e nós ,nós éramos os que dançavam com as amigas que eram como trutas nosso de quebrada e fatalmente elas,elas eram secretamente apaixonadas por você e depois de dez anos se tornariam as mulheres mais lindas e gostosas do mundo.
A nossa vida é um maldito filme teen dos anos 80.
E lá, na festa do bairro na casa de alguém ,tocava um vynil e elas estavam com as cabeças pousadas no peito de algum cara meio atlético que tira foto fazendo Hang Loose,e nós ,os garotos sujos das arquibancadas escuras, assistíamos essas cenas com as luzes batendo na nossa cara, bebendo nossa Groselha Vitaminada Milani .E é engraçado como as mulheres apaixonadas com os seus olhos fechados e com as cabeças pousadas e entregues nos braços de algum cara da escola que a gente odeia, irônicamente se tornam as imagens mais belas e dolorosas acompanhando a groselha que falta acúcar...
-Vamos pegar mais groselha??-eu sempre dizia para eles levantando do violento espetáculo de sadomasoquismo.Pra quebrar o gelo,sabe comé quié...
E lá estava eu olhando as luzes.A amiga dela de costas óbviamente mais extrovertida, gesticulava e ela ,divertida e mais contida ,mantinha uns comentários.Elas comemoravam algo certamente e eu de uma certa maneira,entendia que aquela viagem era importante para ela.Todas as viagens são.
Eu,que me esqueci todos esses anos que não estava mais na arquibancada do colégio, encarava essa beleza sincera dela diretamente com goles de cerveja .Ela percebeu e uma hora não desviei o olhar .Ela riu ,disfarçou meio constrangida e prestou atenção na conversa da amiga .Depois olhou de novo.
Ok,eu deveria estar parecendo um psicopata bebendo as 3 da manhã com alguns nóias no banco a minha volta em busca de crack...
Um outro bando (que óbviamente eram de lá) me deram um alô com a cabeça de respeito :uma mulher loira, alta e feia com o cabelo descolorido de água oxigenada bem malfeito acompanhada de um senhor calvo e cheio de tattoo de prisão com uma pinga na mão.
Ok,agora com esse comportamento encarando a menina tô também parecendo traficante de Gotham no banquinho de praia.Andei um pouco e sentei no canteiro e fiquei olhando o mar .
Num dado momento ,vi as duas guardando algo no quiosque e foram em direção ao mar .Pude ver melhor o corpo dela:aquele corpo que não era exatamente magro e que através da blusa branca mostrava uma dobrinha na cintura sem vergonha alguma de ser mulher e aqueles peitos firmes que pareciam ser grandes e lindos quando se tira o soutien e aquele corpo que te deixa de pau duro na hora ;eis ali uma mulher linda e com uma beleza sincera ,tangível e do jeito só dela.Gosto de belezas particulares;ela não deve ser a mina da "facul" que os homens de colar de bolinha de madeira ficam falando xavecos quando passam pela pista.Ela me pareceu mais linda ainda andando na praia.
O vento balançava a saia dela .A amiga se jogou no mar .Ela ficou olhando a amiga se divertindo na beira da areia parada onde a água só molhava os pés : e a outra ,estava completamente bêbada e alegre se debatendo no mar e jogando água com as mãos para o alto .Ela ,ela olhava .A amiga saiu do mar com os braços abertos em direção a ela dizendo algo.Não ,ela gritava.Ela sorria em direção a minha garota do "yoy yoy" e eu via o sorriso daquela distância.Se abraçaram de um jeito terno ,de amizade sincera ,daquele jeito que se diz"eu tô com você para sempre".Levantava o braço.
De alguma forma ,as palavras que a amiga falava quebraram o gelo da outra mais contida e ela foi de mão dadas com a outra para as águas do mar .E ela se jogou graciosamente naquele mar lindo de madrugada ,com as ondas batendo no seu corpo.Não se sabe o que falavam ,não se sabe o que a outra disse para a minha garota ,mas ela se jogou no mar .Se entregou .Aceitou.
Enrolava o cabelo solto molhado atrás da cabeça daquele jeito gracioso que só as mulheres sabem fazer.
Eu vi aquilo do canteiro da calçada.Tirei meu chapéu e deixei o vento bater no meu cabelo que tinha acabado de cortar e percebi que fazia tempo que não ficava com o cabelo mais curto.
Quando vi,eu sorria.Por elas.Por seja lá o que elas passaram.O que será que a detinha de entrar no mar e se jogar com a outra desde o começo?Lá ,eu vi esse momento de redenção na minha frente ,dela se jogar no mar e abraçar sua amiga.Ela ,ela sorria contente jogando água com a outra no mar .
Eu balancei a cabeça sorrindo.Roubava um momento importante da vida de alguém.
Decidi que era hora de deixá-las e que iria andar mais nessa madrugada estranha.Como eu gostaria de conhecê-las ,mas não sabia como .Amanhã ,procuraria de novo elas de noite no quiosque .Pra olhar talvez...
Andei ,andei .O vento mais forte.Houve uma hora em que não haviam mais travecos,nóias ou gente ;só alguns carros que passavam em direção a lugar algum no meio da avenida de palmeiras e alguns casais trepando na areia do mar.E eu pensando na garota e em como ela ficava linda com os cabelos soltos molhados pelo mar daquela distância.
Voltando do Forte pra casa ,vi um grupo de cinco caras brotar na minha direção e essa situação é tão rápida e desprovida de alternativas que você caminha pro seu próprio destino se for esperto e não demonstrar nada.Talvez não sintam cheiro de sangue.
-Ò,o naipe desse aí ,ó.-risadas
Fudeu .Uns três metros antes de passar já soltam essa .Caras meio grandes .Tattoos tribais mais batidas que catálogo de tatuador da República."Vô tomar um pau sarado e nem tô preocupado."-pensei na hora.
-Cê é roqueiro ?-um grita
Eu nem viro,mas é inútil e já sei o que vem em seguida .Caralho,tô trançando as pernas.E eu não sou esse caso miraculoso de bêbado que bebe e vira diabo.Eis aí a qualidade da cachaça , da vodka e da cocaína te colocar o inferno na tua cabeça.
-Ô,tô falando contigo .
Tomei uma voadora nas costas.Bati com a cara no chão legal.Um monte de risadas.
Eu me levanto :tá difícíl de pensar ,mas o chute dessa moça só machucou por que eu caí de cara num calombo da calçada que o prefeito mandou fazer.Devia reclamar pro prefeito que em Miami não tem isso.A cabeça girava.A menina dançando no mar me lembrou uma garota muito mais linda e maravilhosa que jogaram uma vez na piscina numa festa e eu fiquei puto,mas Deus ,como ela ficava linda daquele jeito com os cabelos molhados .E lá eu caminhando torto,levando porrada e pensando nisso...
Deixo que se fosse só isso que essas cinco moças tem para oferecer ,tá bom.
Atravesso a rua meio torto e eles me seguem bem "horrorshow".Chego do outro lado da rua.Passo a calçada ,quase tropeço .Viro.
Um soco no peito.Esse até que deu pra sentir ,deu uma ardida e talz.Mas esses merdas não batem bem.Eu me desequilibro e caio num degrauzinho .Bato a costela bem no meio da quina do degrau e a boca em outro acima.Dois degraus feitos milimétricamente por um puto dum arquiteto desse futuro prédio para fuder um dia futuramente com a vida do velho Belmont.
Sangue na boca.Cuspo.
Ah,foda-se.
Dou uma cuspida.Sento no degrau resfolegando.Digo meio sorrindo, tipo herói de anime clichê .Falo de algo que tinha acontecido ,só que sem os socos e sangue .Era igualzinho ,da época de garoto sujo de arquibancada.
-Ô ,seus boy filhos-da-puta se vocês vierem mais uma vez pra cima de mim ,vão ter que matar tá ligado?Vão estragar sua vida .Tem que me matar .
Risada de hiena.Todos.
"Alá!!Hahaha!!"
-Porque eu vou morrer aqui nessa briga e vocês vão me dar um pau do cacete ,mas eu vou pegar um e não largo mais :vou agarrar um pra Cristo ,catar a cara e enfiar todos os meus dedos no olho do filho-da-puta até arrancar pelo menos um .Morder orelha e arrancar fora.Não é difícil mesmo.
Um demônio falava de verdade dentro de mim.Era verdade ,a gente sabe quando chega a hora e faz que nem o Kitano em "Brother" :larga o dinheiro no balcão e sai pra derrubar na bala pelo menos um.
Um só riu .Eu disse diferente daquela época.
-Ih ,deixa esse bosta .
-É ,não dá nem pro cheiro.
-Falô ,rockeirinho de merda.
Dei uma risada ,fechando os olhos e balançando a cabeça.
Que bando de cusão do caralho.Se roubassem meu boné vermelho do NY tavam mortos e cegos.
Sentado no fim do degrau e numa parte plana ,um cachorro feio e mulambento com cara de poucos amigos me olhava da escuridão.
Me lembrei dele quando andava pela praia essas tardes e achava engraçado o jeito torto que escreveram numa parede de construção do prédio "cuidado com o cachorro bravo":era um cachorro até pequeno mas que intimidava pela sua postura e os caras da obra deviam cuidar dele por alguma razão.Para ninguém entrar e zoar a obra.O cachorro era cinza ,com os pelos todos grudados numa sujeira só .Uma barbinha branca toda desgrenhada e dentes bem respeitosos.Me olhava sério para proteger o território.
E lá estava aquele cachorro me olhando.Além de tomar um pau ,levaria umas mordidas e pegaria raiva de um sabujo bem vagabundão e simpático.
Forcei os olhos e vi que ele me olhava ,mas balançava o rabinho...
Eu assobiei
"Fiu...".
Assobiei?Foi ,assim mesmo.
E lá veio ele em minha direção todo bobão .Passei a mão na sua cabeça meio assustado e ele se apoiou nas duas patas e me lambia todo .Eu ria ,ria como uma criança.
-Voxê é uma fera né,rapaz!Nè ,cachorrão bravo!-dizia fazendo aquela voz infantil que dono de cachorro faz .
Nossa ,ele fedia muito.Mas era meu amigo.
Fui andando meio torto pra casa e ele me acompanhou até a esquina da construção.Parou e ficou balançando o rabinho me olhando.
Fiz um gesto.
-Vai Guerreiro,volta pro seu castelo,vai.Eu é que me curvo para você.-disse que nem Aragorn.
Fiz uma reverência e baixei a cabeça.
Ele latiu .Ficou me olhando.
Atravessei a rua com a mão na costela.Ele voltou depois de pensar muito em direção a construção, meio que em dúvida.
Coloquei as mãos no bolso .Nem roubaram meus dois reais!Tinha um quiosque com o som de um radinho e um cara empilhando umas cadeiras.
-Ô tio,me vende uma cerveja por favor !
Ele me olhou.Se aproximou.
-Cê tá bem ,filho?Que que foi isso??
-Ah,isso?-passei a mão na boca .Filetezinho de sangue.
-È,e na testa também.
Tinha um cortinho daqueles bem gostoso de passar a mão :uns risquinhos meio sangrentos na horizontal meio tortos que ficariam umas casquinhas bem fininhas e gostosas de arrancar na insistência.
-Num foi nada não,Tio.
Sò a costela me doía.Arquiteto puto do caralho .
Conversei um pouco com ele e expliquei.Balançava a cabeça em reprovação tipo a minha mãe.Ele me vendeu uma latinha .Agradeci para caralho que nem bêbado agradece para constranger.
-È seu?-apontava atrás de mim.
-O que ???
E lá estava meu amigo me olhando do meio da rua .Meio curioso.Balançava o rabo meio lento
Passei a latinha gelada na boca sangrando e na testa como os heróis do Domingo Maior faziam de um jeito canastrão.
"Fiuuuu!!!"
E lá veio ele em minha direção correndo.Foi andando do meu lado na calçada.
Eu ,bêbado e um pouco meio dolorido com o Guerreiro me protegendo.Lado a lado.Deve ter sido uma cena engraçada.
Logo ,em meia hora ia amanhecer e eu não queria ver esse dia acabar com a luz.As garotas não estavam lá mais.Me despedi com pesar do Guerreiro.Ele me viu subir os degraus do prédio e depois foi embora.
-Valeu ,amigo.
O porteiro morrendo de sono ,mumunhou algo pensando que era com ele.
"Não ,meu amigo eu falava com o cachorro ,viu!!?"
Hehe...
Na noite seguinte ,sentei lá procurando elas com aquela cara fudida e um cortinho dentro do lábio por dentro que eu ficava passando a língua a toda hora.Sentei no canteiro de novo e nem me preocupei com os boys de merda naquela noite:já tomei porrada de skin ,de polícia e mais um monte de gente e aqueles boys covardes e cusões eram os piores do meu currículo .O impressionante é que pensando agora ,sem exagero nenhum digo que foi insignificante.Ninguém percebeu .
Nunca mais as vi naquelas noites que fiquei sozinho lá até uns dias atrás.
Nunca esquecerei o momento que roubei delas.