Comecei a sentir umas palpitações numa certa noite do mês passado.Apertava o peito como se fosse explodir.Alguns caninos pareciam ficar maiores nessas horas, doía muito a minha boca.Sangrava.Gosto de vômito chegava na língua e voltava.
Medo da transformação.
Comprei a vodka mais vagabunda no supermercado.
Ironicamente, ela tinha um husky bem lupino no label.Guardei a garrafa para uma ocasião maldita e especial e ela chegou no mês passado.
Durante toda a tarde assisti a tv falando dos estranhos assassinatos e mutilações ocorrendo no bairro do Butantã: tinha entrado numa nóia brava e não conseguia pisar para fora de casa.Não atendia mais o telefone.Procurei na net as notícias, fatos e pistas sobre os meus crimes.
Me senti mal pra caralho.
Todas as minhas vítimas eram garotas.Lindíssimas.Algumas voltavam da faculdade, chegavam tarde pela Raposo; outras eram trabalhadoras: uma trabalhava numa farmácia, outra numa loja de conveniência...
Porque todas eram mulheres?Terei eu me tornado num lobisomem-gay?
Depois de parar para pensar muito e fritar a porra do meu cérebro, pensei que o prazer da morte em frenesi e destruição sem sentido devia ser uma coisa perversamente sexual.
Seria estranho morder o tórax definido de um cara que lê Men´s Health, mesmo para um lobo com sangue no olhar...
Por isso o “meu lobo” matava as mulheres?Mordia profundamente ela no meio das pernas.Mordia a nuca, agarrava alguns cabelos por causa da força absurda, as garras cortavam as bundas.Os jornais pensavam em estiletes e citavam o “Maníaco do Butantã”.Aparentemente o tal “maníaco” não violentava, mas a natureza da violência era toda sexual.
Cenas horríveis.Eu não via mais sentido em continuar com isso.
Bebi a garrafa toda.
E me joguei na cama.
Acordei ainda na madruga.De susto.Já era quase dia.Minha boca doía muito.
Devia estar com febre porque acordei suando muito.O corpo todo meio úmido.
Quando acendi a luz, vi a cama toda ensopada e com um cheiro forte; eu não estava com febre, tinha vomitado na cama inteira vodka Baikal.Vomitei dormindo, aquele vômito seco levemente ocre de bebida, aquele gosto de Nicholas Cage morrendo em Las Vegas.
Não havia comida: somente a bebida transparente lupina, nenhum arrozinho , fandangos/fofura ou dogão do Carioca da Usp...
E numa parte da cama, uma concentração enorme de álcool empapava o colchão, algo da vomitada parecia ter “escorregado” para fora da cama.Fiquei com medo que tinha me transformado e assassinado o meu cachorro.Terror.
Direcionei a luz para o chão e tinha “algo” ali.E numa voz embriagada eu descobri com terror o que era:
-Você bebe muito!Já te disseram isso?
Deixei cair a luz no chão e caguei no pau de medo.Lá estava a pequena criatura deitada e esparramada com os seus bracinhos ridículos e finos; tinha um nariz enorme, não tinha cabelo e estava se cobrindo com a minha camisa do Ramones.Eu poderia jurar que era alguma coisa que o Angeli poderia ter desenhado, por que aquela porra de narigão bizarro era muito do traço dele!!
Todo babado e molhado tentava se mover ,mas caia como bêbado quando se apoiava.
Eu tremia.A luz focou no corpo quando caiu.Ele disse de um jeito irônico e divertido:
-Qual é!O senhor Lobão do Butantã com medo de um merdinha que nem eu!
O medo se juntou à raiva.Combinação perigosa.O porra tinha um leve sotaque carioca.
-Que que você sabe disso?
-Calma, Lobão: eu tô mais bêbado que você , cumpadi e...
Olhou para a garrafa de vodka do husky.
-...Nuossa!Quatro real esse veneno?Se lascar, ”meu”!Eu que agüento tudo depois.
Deu uma ênfase irônica ao nosso jeito de falar de Gotham.
Peguei um travesseiro e ameacei levantar.
-Hahaha!Você vai me matar com travesseiradas, Lobão?
-Para de chamar assim, caralho!
Meu cachorro levantou com o susto.Observou aquela porra esparramada lá no chão.Tava curioso: a boca tremia como se fosse morder, algo raro no meu sabujo que não era de treta.
-Pega!
-N-n-n-n..não !Por favor, senhor sabujo.
Cobria os bracinhos ridículos que pareciam ossinhos de frango que a gente rói com os dentes; com medo do meu cachorro ;tremia de medo e frio .
Mas ele começou a lamber o merdinha.
-Hahaha!Olha, Lobão!Ele gostou de mim!Devia começar a acreditar em instintos animais...
Olhou para mim com um sorriso sacana:
-Ah!Eu esqueci que você já tem um!!!!Hahahahah!!!
Eu tive que admitir que o bostinha tinha um sarcasmo digno da família.O que era aquela porra?Meu filho??Como sabia que eu era um monstro??
Aquilo saiu de dentro de mim!?
E...
Che cazzo!!
Ele era carioca???