Paz. Paz para esses
desgraçados que apagam cigarros nos próprios braços e aos colecionadores de milhares
de cicatrizes; para esses pássaros doentes com asas quebradas que nos observam
tristes entocados numa boca-de-lobo; e a todos os cachorros que bebem água da
sarjeta e dormem no mato queimado da Raposo. Paz, mano. Paz. Paz para todos os
que saem às cotoveladas em direção a um banco no trem, quebrando joelhos nas
escadarias do metrô, apressados e ensandecidos com o éter; e que seja breve o
sofrimento dos que vociferam e escrevem pensamentos com as unhas em muros que
jamais serão lembrados. Paz praquela tia que fica gritando e arrancando os
cabelos lá em frente de uma livraria perto da Catedral da Sé há muito tempo (paz para ela, ela merece acordar...). Para
o pai que não vê mais o filho e submerge todas as noites dentro de um buraco na
parede com o formato de uma boca; e às crianças lá no Terminal Bandeira que há
anos atravessam os faróis sem se importar com os carros (molecada, cuidado). Para os que se deitam embaixo de camas velhas e
olham - por horas - o estrado carcomido e sua estrutura precária corroída por vermes imemoriais,
aos que dormem em lugares com cobertor de fuligem e poluição dessa funesta
cidade; e para os que cometeram crimes inenarráveis e mal se recordam de nada
no limbo das calçadas. Aos que trapaceiam nas cartas para pagar um aluguel. Paz
para Fabiano, à Baleia e seus preás. Paz pro João e seu PS2. Paz para os que vagam pela cidade
observando as pessoas e olhando no olho do outro; para os que mandam um playboy-parasita-filho-da-puta
à merda; e às velhas prostitutas que seguem tentando despertar de um pesadelo envolvendo
uma navalha afiada há muito tempo atrás.
Paz para os que falam
sozinho.
Para esses malditos que
insistem em existir.
Aí, paz para nós todos, mano.
Paz.
(hora de subir os créditos, trilha sonora, fique até o fim...)