sábado, 31 de dezembro de 2011

fique até o fim


Paz. Paz para esses desgraçados que apagam cigarros nos próprios braços e aos colecionadores de milhares de cicatrizes; para esses pássaros doentes com asas quebradas que nos observam tristes entocados numa boca-de-lobo; e a todos os cachorros que bebem água da sarjeta e dormem no mato queimado da Raposo. Paz, mano. Paz. Paz para todos os que saem às cotoveladas em direção a um banco no trem, quebrando joelhos nas escadarias do metrô, apressados e ensandecidos com o éter; e que seja breve o sofrimento dos que vociferam e escrevem pensamentos com as unhas em muros que jamais serão lembrados. Paz praquela tia que fica gritando e arrancando os cabelos lá em frente de uma livraria perto da Catedral da Sé há muito tempo (paz para ela, ela merece acordar...). Para o pai que não vê mais o filho e submerge todas as noites dentro de um buraco na parede com o formato de uma boca; e às crianças lá no Terminal Bandeira que há anos atravessam os faróis sem se importar com os carros (molecada, cuidado). Para os que se deitam embaixo de camas velhas e olham - por horas - o estrado carcomido e sua estrutura precária corroída por vermes imemoriais, aos que dormem em lugares com cobertor de fuligem e poluição dessa funesta cidade; e para os que cometeram crimes inenarráveis e mal se recordam de nada no limbo das calçadas. Aos que trapaceiam nas cartas para pagar um aluguel. Paz para Fabiano, à Baleia e seus preás. Paz pro João e seu PS2. Paz para os que vagam pela cidade observando as pessoas e olhando no olho do outro; para os que mandam um playboy-parasita-filho-da-puta à merda; e às velhas prostitutas que seguem tentando despertar de um pesadelo envolvendo uma navalha afiada há muito tempo atrás.
Paz para os que falam sozinho.
Para esses malditos que insistem em existir.
Aí, paz para nós todos, mano.
Paz.
(hora de subir os créditos, trilha sonora, fique até o fim...)
The Card Cheat - London Calling - The Clash by The Clash on Grooveshark

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

constatações póstumas de um homem que jaz inerte numa vala clandestina na Raposo


Aos que necessitam do caos para sobreviver, eis algumas constatações póstumas de um homem que jaz inerte numa vala clandestina na Raposo:

-uma vez eu ousei (só uma vez...): tomei a liberdade de introduzir o meu membro intumescido – e ocioso - em orifícios quentes e privados, e desse atrevimento veio toda a minha desgraça: o ato consumado, logo tornou-se profano e dessa nova ordem cármica das coisas, eu ganhei sete balas alojadas na caixa torácica e vinte duas no crânio (com uma certa preferência nas têmporas...).

-o cheiro do mato à noite no Butantã é o mais agradável possível; se soubesse disso (antes de tudo), deitaria todas as noites aqui observando os ÓVNIS e os açoitadores de lobisomens que vagam por essa terra abençoada; na ausência do pedaço de carne, percebi o quanto esse lugar bucólico remete a uma pintura que vi certa vez numa exposição, mas só percebi o óbvio: era feia e não me agradava; aqui, o mato úmido no leito da morte – a surpresa do sistema nervoso a registrar o olfato em matizes exacerbados – fez-me o mais nobre mortal com a morte mais desonrada.

-senhores, há algo definitivamente de belo no pós-morte, mas me falaram que se eu disser tomo porrada...

-ah, não foi a melhor noite de sexo que tive na minha vida...

-é, as balas doem um pouco, não tem essa de que é “tudo tranqüilo”...

-a única testemunha foi o assassino (e uma cadela que lambia suas próprias feridas).

-tive uma vida boa, porém contraditória: aos que querem saber de algo mais, procurem no Km 15 uma pedra com uma inscrição “neguinho Z/O”, sigam até o Norte-doze-passos-tamanho-35 e virem à direita: eis o meu corpo, quieto, sereno e se decompondo. Levem uma pá.

-o segredo da vida é que, na verdade, tudo se resume a um fim... Não, isso todo mundo já sabe... já escreveram...o negócio, a parada...o baguio é qui...(sei lá, acho que começo a perder agora a capacidade de pensar no além-túmulo...)