terça-feira, 19 de agosto de 2014

o maníaco do ácido ataca novamente


Dia de Feira da Vila. Ela vai tá lá. Ela e as amigas. Ela que anda de bermuda preta, camisa azul em viagem de escola nas férias. Ela senta na minha frente, duas carteiras, gosta de Pet Shop Boys. Beberemos Coca-Cola. Mãe dá dinheiro pro pastel. Tem barulho na esquina da Wizard, rock. Ninguém Dorme. Eu não vejo ninguém que conheço. Eu quero ver ela. Não, nem sinal. A vida é escrota. O mundo tá perdido. Acho que vou para casa assistir Gigantes do Ring, um Trapalhões, sei lá. Nem deu para tomar um refri. Tá de noite. Tá passando o Fantástico. A mãe tá com aquele merda lá em casa. Vou ficar por aqui mesmo até que ele suma das nossas vidas… ou quem sabe, volto, sei lá. Nem sei de mais nada.

Cheio de gente aqui. Nem dá para andar. O que eu tô fazendo aqui? As pessoas andam tão grudadas umas nas outras, sem espaço pra respirar. Aquela vagabunda me paga. Mato ela e aquele viado, enforco, jogo óleo quente nos dois na cama. A pele gruda, o pau e a buceta rasgam colados um no outro. Dezenove anos, “até que a morte nos separe”... O mundo é podre, essa cama é suja e essas mulheres aqui dessa feira de merda são todas impuras. Tocar o terror nessa porra hoje, tomar uns gorós e dormir na rua. Hoje começo a viver. Se algum maluco tirar uma, meto o canivete no pau do filho da puta e rasgo. Mato essas putas, mato todo mundo nessa porra.


Deus, meu Senhor. Deus, Senhor, livrai-me do mal; eis o meu único pedido. Janinha tá criada, Marta também, eu não fiz nada de errado. Não, Senhor; não, eu dediquei minha vida toda à sua obra, Senhor. O Senhor é mais forte que tudo, que toda multidão, que todo esse barulho, que toda essa perdição, que toda essa gente perdida no mundão. O que eu fiz não foi errado, meu Deus-Todo-Poderoso, não foi … não pode ser errado, não, Senhor ...


Será que aquele corno tá aqui? Andando de mão dada com essas vagabundas? Será? Eu odeio esse lugar, nunca quis morar nessa merda de cidade. Sozinha, com nenê em casa, sozinha, aqui, procurando um maldito dum bebum fedido, corno, deformado, imbecil… aonde a minha vida se perdeu?! Aonde ... Com nenê sozinha, dormindo sem fim naquela cama com cobertorzinho perfumado… eu vou fugir daqui agora, dessa feira de merda … sumir… se ele der sorte, se voltar para casa e achar a nenê, tudo certo, Deus agirá, se não … não era para ser … eu só tô cansada agora, acho que vou desmaiar aqui nesse mundaréu de lixo de gente suja. O bebê não chora mais assim .


Vou ali. Só preciso mijar um pouco. Aguento mais um monte de dose. Tô muito loco, acabei de passar a mão numa menininha, isso é errado, Clóvis; onde cê tá com a cabeça? Ela poderia ser sua filha, é mais nova que ela, porra! “Cachaça na caveira”, era o que dizia o mano loco lá da quebrada, ficava lá, gritando a madrugada inteira essa porra pelas madrugadas… mataram ele, eu vi quando voltava da escola, era muleque, ele era ruim, era um lixo … hoje eu sou esse cara, porra… eu sou esse cara .. vou mijar aqui mesmo, foda-se … senão mijo na calça e não fodo ninguém hoje à noite … cachaça na caveira … ca CA CHA ÇA NA CAVEIRAAAAAA!


Me falaram que hoje seria um dia bom. Me falaram. Mentiram. Nenhum dia é bom, é tudo uma sucessão de acontecimentos meticulosamente engendrados com o intuito de enlouquecer qualquer cidadão de bem. Nada, não há nada para mim nessa multidão, nenhuma dessas meninas ou homens meteriam comigo. Eu fico ali, ouvindo, lendo, cultivando um monte de pensamento bom, de gentilezas e nada disso adianta. Ninguém quer um velho escroto como eu… jamais pensei que sentiria falta do batente, mas o quartel me fazia ter linha, rotina, sonhos … agora nada mais parece fazer sentido. Nada. Tudo é tão rápido. Os dias de cama são eternos. Ontem meu periquito acordou morto. Eu esqueci de dar comida e água pra ele. Morreu novinho, chorando e eu nem escutei. Não ouvi a criaturinha me chamando. Não. Quem vai me ouvir agora? Hoje não é um dia bom; quem disse que esse dia seria ótimo, certamente não me conhece, não sabe nem quem eu sou; geralmente a gente paga para ouvir essas coisas boas, esses presságios e frivolidades; e comigo não foi diferente …

Hoje. Hoje. Hoje. Tanta gente reunida, tantas pessoas, tantos corações, tantas almas. Tantas gerações procriaram para esse momento ser único; tantas conjunções, encontros aleatórios e estrelas alinhadas para esse momento… existem tantas almas em busca de algo hoje, andando em linha reta para o matadouro, aceitando tudo sem gritar … hoje… Hoje. HOJE! Hoje eu alterarei para sempre a vida das pessoas que pisaram nesse lugar e serei lembrado por todos. Hoje.

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