terça-feira, 9 de junho de 2015

telemarketing of the dead - parte 1 de 3


De qualquer maneira até que achei bom eles terem inventado a bomba atômica. Se houver outra guerra, vou sentar bem em cima da droga da bomba. E vou me apresentar como voluntário para fazer isso, juro por Deus que vou.

O Apanhador no Campo de Centeio - J.D Salinger
Estranhamente, o apocalipse zumbi não foi lá aquela surpresa que esperávamos…
É. A sociedade toda já estava em um processo à época. Tão grande e avançado que, quando a coisa de fato aconteceu, todo mundo já tava ligado na parada saindo com um facão nas ruas nos primeiros dias.
Naquele dia não levei o meu, basicamente, porque não acessei o Facebook.

Cheguei no trabalho aquele dia. Peguei a fila do ponto. Bati o ponto. Passei o cartão de acesso. Fui para o meu cubículo. Coloquei os plugues do desktop de volta à tomada. Procurei a minha cadeira para sentar.  Não tinha, alguém levara. Tive que buscar um assento decente em outro departamento. Liguei a máquina. Fiz o meu login. Loguei no ponto virtual. Bati o ponto virtual. Iniciei o programa de chamadas. Loguei no programa. Liguei o terminal. Loguei no terminal. Procurei um headset. Não funcionava. Outro departamento, head… Testei o fone. Loguei na rede. Aguardei uns minutos. Loguei de novo… Loguei na pasta de e-mails compartilhados. Loguei a minha conta de e-mail. Fui à mesa da equipe. Aguardei a fila. Escrevi meu nome e horário de entrada em um papel xexelento. Fui ao meu cubículo. Loguei no meu terminal de chamadas. Iniciei o meu programa de mailing. Pluguei o fone do head.
Pedi permissão para ir ao banheiro. O supervisor disse que “uuuh”...Ok. A mesma cara de merda... o mesmo grunhido que significava, sempre, a mesma coisa: “espera uns dez minutinhos”.
Depois de um tempo a gente pega as manhas da empatia comunicativa do lugar.
Liguei para uns clientes. Dei uma enrolada. Derrubei umas ligações. Percebi que todos estavam com camisas da seleção brasileira e portando facões lustrosos. Devia ser algum dia temático que eu nunca participava. Uns exibiam uns cintos e coldres pintosos, cheios de adereços para encaixar os longos facões; outras, portavam bolsas adaptadas Louis Vuitton com slots adicionais de machetes desenhados pelo Alexandre Herchcovitch.
(até que esses eram da hora, cheio de caveirinhas e glitter, stáile …)
Tava com mó vontade (mesmo) de mijar e não aguentei:
- Angélico, posso ir no banheiro?
- Huh, huuuuh ...
Fiquei puto com aquele escroto. A mesma cara, o grunhido de novo...
- Poxa, mas já deu dez minutos! Posso usar a minha pausa de banheiro de 5 minutos para ir? Eu nem preciso tomar café, isso é secundário diante das minhas necessidades agora ...
O Angélico, um gordo suado-escroto do caralho e cheio de espinhas na cara, não respondia.
- Mano, na boa, tô pedindo com educação...
Silêncio.
- Huh, uaaah, heeeh...hueeeh...
Porra.
Que puto do caralho. Nem para responder direito, só resmunga o filho da puta...
Subitamente o desgraçado começou a gritar comigo. E partiu na minha direção balbuciando murmúrios e coisas sem sentido, todo putinho e babando ódio. Derrubou uma cadeira.
- Cara, na boa, eu pedi com educação! Para quê isso, ficar derrubando coisas?
A menina do meu lado, que nunca me dava bola, concordou:
- Poxa, Angélico, o cara tá querendo mesmo ir no banheiro. Não precisa dessa ceninha, né?
(ela era muito linda. eu fiquei olhando para ela com uma cara de “retarda”)
Nem percebi que o Angélico, o cara que estava com uns mil broches da empresa e uma camisa da seleção bem apertada em seu corpo (e portando um facão com uns inscritos bizarros de partidos), vinha na minha direção babando de ódio. A garota acompanhava a cena comigo.
Mas, nossa, ele era lento... Eu ia só ficar de boa e tacar um processo de assédio moral nesse puto. Andava como se estivesse em uma crise de sonambulismo. Andava com os braços estendidos. Que ridículo esse cara.
E, porra, que lentidão e escândalo… o cara andava e ia arrastando tudo no caminho: cadeiras, fios, teclados...
Sorri para a menina, ela retribuiu. Rachamos o bico.
(o nome dela era Nadja. nossa, ela era tão bonitinha…)
- Esse Angélico tá um pouco esquisito, não tá?
Ela me olhava com curiosidade. Respondi. Engatei o papo, muleque:
- Será? Não sei… até para dar esporro ele é meio retardado assim, né? Já aconteceu. O filho da puta não faz nada, fica no Face o dia todo, berra de vez em quando como um retardado só para mostrar que está trabalhando.  Detalhe: e anda lento pra moléstia … Nossa, olha isso… Grita direto e faz uma voz grave mó forçada para todo mundo ouvir, só que soa tão patético (e ridículo) que eu sempre vou no banheiro e faço uma caricatura dele na porta.
Ela riu.
- É sério! Às vezes eu tiro uma foto no celular dessas caricaturas e posto no meu fotolog, quer ver?
- Sim, vamos tomar um café?
- Opa!
Ela parou subitamente e me olhou com uma cara decepcionada. Dramática.
- Mas.. nossa.. (pausa) você ainda usa fotolog?
Eu ri. Ela também. Muito.
(deus existe. Nadja… )
Enquanto saíamos (e batíamos as nossas respectivas “pausas-banheiro” e deslogávamos tudo), o Angélico estava debruçado em um cubículo e se debatia violentamente com um outro coitado dando esporro. O cara só gritava de desespero. Esse cara era um campeãzinho de bater metas e exibia sua bandeirinha de atendimento Gold para todos verem. 
Tudo isso para tomar um esporro do Angélico, que parecia comer o cara vivo com tanto ódio que se esqueceu de mim.
Que babaca…

(continua)

Nenhum comentário:

Postar um comentário