quarta-feira, 28 de maio de 2008

catorze aves mortas.

Um garoto de cabelo loiro todo sujo, camisa de flanela e com seus lá nove anos, junta pedras todas as manhãs num saco de pano.Cabelo loiro ensebado.
Com um esforço descomunal para uma criança ,carrega as pedras numa trouxa com o saco.Vai para a feira que acontece todas as quartas-feiras lá na Vila.
Senta.Toma um caldo de cana que a tia toda remelenta e louca paga sempre para ele;o mais engraçado é que ela é que acha que o zoado do muleque é xarope...
Quando a feira termina ,fica observando as tias pegando um resto de tomate bichado que a japonesa arranja ali,um alface jogado lá pelo chão ,umas caixas que ficam para o pessoal que esperam o final da feira...
Com a sua faca ,corta uma laranja que pegou lá na sarjeta.É limpa e a faca corta tudo.
Terminado o espetáculo que ele aguarda todas as quartas,chega o momento em que anseava:lá perto do pastel ,tem um monte de pombas paralíticas e fudidas ,pombas que já tiveram belas asas e penas vistosas.Elas ficam lá: ciscando qualquer fiapinho de massa frita que possam jogar goela abaixo ,engolindo sujeira e bebendo água de esgoto .
Vida de pomba de Gotham.
Quando nem mais nem menos,uma pedra bem pontuda corta a cabeça de uma .Outras são esmagadas por uma pedra mais chapada e pesada .Outras ,ficam paralíticas por um segundo com a pancada nas asas,em outro ,já estão mortas indo pro inferno das pombas com um golpe de pedrada certeiro do muleque.
Os caras da feira já tentaram fazer o muleque parar ,mas ele se mostrou ameaçador uma vez que o moleque do peixe veio falar do assunto:
-Pára com isso ,moleque Cê é xarope!?
O moleque não disse nada.Passou a manga da camisa de flanela num ranho que caia de cinco em cinco minutos e fungou algo.Segurava o saco .
A matança continuava .
Depois que acabaram aquelas pedras especialmente selecionadas do seu saco de pano,juntou aquele monte de pombas-mortas-cheias-de-sangue-penas uma em cima da outra e fez uma trouxa com o saco.
O caminhão que limpava a sujeira da feira já tava lá com aquele barulhão e todos já tinham ido embora com aquela aguaceira barulhenta,menos o moleque .Sentado,comia uma tira de tomate com a faca na rua.
Não tinha medo do barulho
Tinha uns malucos lá na Vila que achavam que o muleque de tão fudido na vida,comia todas aquelas pombas assadas num latão qualquer embaixo duma ponte .Um foguinho tosco aceso;um latão preto de sujeira.Ele e sua família.
Mas o que ninguém nunca soube (inclusive o fato de enterrar todas) ,é que ele ,o muleque loiro de camisa-flanela-ranheta achava simplesmente aquelas pombas indignas de fazerem um troço daqueles :ficar pegando migalhas numa feira tosca enquanto poderiam estar voando com suas asas para bem longe dessa miséria .
Ele ,não era como as pombas...

segunda-feira, 26 de maio de 2008

do you remember rock 'n' roll radio?

Ok,eu devo estar numa daquelas famosas "crises" como as do Angeli...
Além de estar escrevendo coisas "maravilhosas" como o meu desejo mórbido de trepar com escritoras-mortas, ando ocupando a cabeça com algo mais incomum(pelo menos para mim...) e fora dessas letrinhas(talvez não muito fora...).
Algo que não tenho muito conhecimento:o tal de podcast.
É,eu sei :falta do que fazer mesmo.
Mea culpa.
Pois é ,devo estar em crise mesmo: sabe aqueles programas de rádio que você pode ouvir no próprio computador ,baixar pro seu Ipobre ou mp3 player qualquer?Não sabe??
Bem ,é isso :ando torrando a cabeça com essa merda e em breve estará por aqui .
Já está pronto o primeiro bloco do programa e adianto que será bem bizarro ;cheguei a fazer tantos testes (bêbado) que agora ficará desse jeito mesmo.Não sei se o áudio ficou do jeito que eu queria (não tive muitas opiniões),mas em breve já estará por aqui.Não digo um dia ,pois faltam alguns detalhes meio chatos.
...
-Tsc,tsc,tsc Belmont...

sexta-feira, 23 de maio de 2008

eu e florbela.

Ouvi um "tóin".
Agora mesmo, andava com um livro dela todo empoeirado em baixo do braço que nem bíblia de crente(e talvez seja a minha mesmo) e pensei:
"Você escreve com tesão!"
É,eu comeria ela.Mesmo.
E o livro dela lá :esquecido ,perdido na biblioteca daquela faculdade .Implorando por leitura.
Digo que ela é linda.Que adoro o que ela escreve.Digo para todos.
Falo para o Pedro,que odeia poesia :
-Dá aqui ,deixa eu ver a foto dela.-diz esticando os braços com uma urgência daquelas dos bebês que movimentam todos os dedos bem rápidos em harmonia ,como que querendo dizer "eu quero isso agora".
Mostro a foto dela da capa do livro.Uma foto P&B dela com aquela cara triste e adorável.Braços magros .
Gargalha e diz:"Ela é feia para caralho!!".
-Peraí ,ela não tá bem nessa foto...-digo atrapalhado.
Escolho outra .Não faz muito efeito nele.
"Mas o que eu vejo de beleza é particular",penso como criança contrariada.
Ah ,não me importo se acham ela feia...
Comeria com tesão,com paixão ,com uma certa força:ela ,ela que se acha velha no auge da mocidade,ela ceguinha ,ela com trajes de mendiga e que num misto de raiva-desdém-trepada/violenta grita bem alto "RASGA ESSES VERSOS QUE TE FIZ,AMOR".
É, comia .Mesmo.Talvez até a amasse,me perderia.
Mas ela está morta,morta como Priscila.
Gostaria que fosse assim:
Lá estaria ela ,num café em Lisboa flanando pela cidade.
E eu lá,á toa como faço nesse bar .
Nossos olhares se cruzariam por um segundo.Iríamos nos ver por vários dias nesse café .Durante uns quatro meses não trocaríamos uma palavra sequer.
E eu pensaria nela todas as noites .
Ela não iria saber.
Um belo dia ,talvez nossos olhares se cruzassem dentro do bonde após as aulas e eu perguntaria para ela :
-Esse bonde vai para onde mesmo?
Ela iria rir de um jeito amável concluindo (após um bom tempo) que eu era assim mesmo.Não foi planejado o esbarrar no bonde.
Me acharia lesado como todos acham,mas iria enxergar um charme inexplicável nisso.
E nós ,talvez nos nossos encontros casuais à tarde numa praça ,fugiríamos para um hotel e ficaríamos trepando a tarde toda .
-Escrevi algo pra você ,Florbela .-confesso.
E ela iria me olhar daquele jeito .Sorrindo.
Pela primeira vez eu vi nela,já havia visto antes em outros olhares.
Aquele olhar em que o amor começa a morrer num canto de boca de sorriso que começa a doer .
Eu perceberia isso , sabendo o que estava para acontecer...
Assim seriam os nossos encontros .
Um belo dia iria me dizer:
-Arthur ,eu creio que nossas vidas se separam aqui :eu adorei a sua entrega e jamais esquecerei o poema que fez para a minha linda vagina .
Um sorriso triste nosso.Conformados.
-Pois é,eu a olhei no espelho esses dias com calma e acho que ela é mesmo linda.Obrigado.
Silêncio no quarto cheirando a porra e suor bom.
Eu balançaria a cabeça de novo ,concordando que era uma buceta linda mesmo.
Continuou:
-Eu não te esqueço .Não te amo ,nem te odeio;mas talvez isso não importe .Levo comigo o teu cheiro.
Estaria de pé. Nua .Ali na minha frente.
Eu sentado na borda da cama, iria abrir os meus braços como quem quer um abraço,como quem precisa,como Chacal fez uma vez.Ela viria em minha direção .
E eu beijaria aquela bucetinha como se beija uma boca deliciosa,uma pontinha da língua roçando levemente aqueles grandes lábios : um beijo longo de despedida estilo Casablanca.Abraçaria a sua bunda com força.Cruzaria meus braços em volta dela.Beijo forte e retribuído .
Ela se vai .
Numa tarde dessas em Lisboa, estaria lá sozinha numa mesa do café.Lá no fundão.
Eu sei que é bem escuro lá.
Eu sabia que ela gostava de ficar lá daquele jeito.Saberia,se fosse o caso.Se acontecesse no passado.Se acontecesse nessa vida .
Pego o meu chapéu .Prendo os botões do sobretudo.Dou as costas para o café .As ruas de Lisboa solitárias e cinzas.Me despeço silenciosamente dela.
"Adeus ,Florbela Espanca."
Uma pausa?
E a voz continuaria, quando era para ficar quieta:
"Quem sabe um dia..."
-Merda,porque não me permito a despedidas????Cala a boca ,voz !!

quinta-feira, 15 de maio de 2008

um beijo escondido , harmonica ...

Eu nunca aprendi a tocar gaita.
Quando tinha uns dez anos , ganhei uma de meu pai após encher tanto o saco dele :ela veio diretamente de algum canto do mundo , para o Paraguai onde meu pai árduamente trabalhava trazendo bugigangas de lá .Ela estava lá numa caixinha linda ,retangular com bordas verdes e dentro tinha um paninho rosa de veludo para embalá-la quando dormisse ou para tirar a babinha que ficava nos buraquinhos de madeira em seu interior ; era toda revestida de um metal prateado.
Como brilhava...
Ela era linda , a minha gaita.Minha harmonica .Eu tinha ciúmes dela : quando chegava da escola , ia ver se estava lá no mesmo lugar e se ninguém tinha mexido nela .Se mexessem eu ia ficar enchendo o saco que nem criança implicante e marrenta que briga por nada ,tipo pentelho mesmo .Mas era só para ouvir a minha voz mais alta , queria que ela , a minha voz , ficasse tão alta que fizesse amizade e depois namorasse com a gaita .Que a minha voz fosse forte .
Descobri depois de um bom tempo que se a gente soprasse nos orifícios mais acima , o som saia diferente e se a gente puxasse o mesmo sopro para um lado , o som saia meio bravo , como a voz de alguém que te diz algo meio puto e taca os pratos da mesa na parede no jantar ; se a gente soprasse para o lado oposto , saia que nem voz de menina.
Minha gaita era o bicho ,maluco.
Eu assoprava ela por horas durante as tardes , e deixava os cachorros loucos uivando ; de tanto uivarem perto de mim , acabei conseguindo imitar um cachorro uivando e fazia o meu uivar sem a gaita.E ficávamos uivando ,cachorro curte uivar .
Acabei aprendendo isso .
A gaita me ensinou a chorar que nem cachorro , me estimulou .
Mas eu não sabia tocar a gaita .Mas não chegava a ficar frustrado ou puto por isso na época .
Eu queria ser um daqueles bluesman , tocando uma nota triste nela , ficar bem gordo e viver de música pelas estradas ; talvez eu venderia a minha alma pro Diabo para aprender a tocar um blues de verdade que nem Ralph Macchio em "Crossroads" .
Será que ele me ajudaria?O Diabo ??
Já parei para pensar .
O tempo passou e eu continuava soprando ela de um jeito ridículo : nunca consegui fazer uma nota decente nela e ficava horas azucrinando a vizinhança com aquele barulho que era um pé no saco de irritante.Irritante como eu .Eu tinha noção disso ...
Depois de tantas coisas difíceis , eu pegava a minha harmonica e ficava ali soprando ela até me acalmar ,até a voz sumir num protesto tímido do Drummond ; ia para baixo da minha cama e ficava olhando pro estrado.A voz e aquele sopro que não serviam para nada .Não produziam nada ,era um choro grotesco , vergonhoso ,embaraçoso pra caralho .
Uma vez ganhei de uma vizinha nossa um projetor bem safado de slides .
Quando não tinha ninguém em casa , eu ia para o quarto da minha mãe , apagava todas as luzes , trancava o quarto e ligava o projetor que era nada mais nada menos que uma porrra de uma câmera de plástico de brinquedo bem vagabunda com uma luz que saia para fora e era só encaixar as "fotinhas" no bico e ver elas enormes .Umas fotos de animais e troços de Biologia.
Mas não tinha tela para ver bonito e eu ia na cama da minha mãe , deitava com a cabeça na cama e projetava a foto de um tucano , uma onça e depois deixava aquela imagem enorme parada ali no teto ; pegava a harmonica e ficava choramingando notas que não eram nada , eram sopros , eram gritos de fúria encarcerados em alguém que crescia rápido e de uma forma desordenada .O vento era o que saia da gaita , não música .Era nada.
Meu irmão era muito talentoso com música e a gaita se deu melhor com ele de uma forma alma-gêmea : tirava umas notas , nascia um blues poderoso no sopro dele de forma fácil .Depois de ver a harmonica de namorinho com ele , soprando graciosamente melodias com ele , acabei aceitando que eu não tinha as manhas com ela e fiquei triste pra caralho .Enfiei a viola no saco e saí andando até a praça Pôr do Sol .
Ele , meu irmão que pedia direto a gaita e eu sempre dizia que era minha , acabei um dia dizendo meio frustrado ,derrotado :
-Pode levar , vai...
E lá ia ela ,contente na mochila dele .Foi para Bauru e uma pá de lugares cantarolar blues de verdade para garotas apaixonadas tomando cerveja .
Caralho , eu nunca consegui tocá-la direito , gaita ...
Mas eu juro que se eu subir agora lá no quarto dele e te achar num canto toda empoeirada e suja , juro que te dou um beijo de verdade , sem nojo ,gaita ; e vou ficar soprando você até me acalmar , até a voz e sopro sumirem , até a garganta doer e talvez , talvez nós vejamos aqueles pássaros e onças que se mostravam no teto tão enormes só para nós dois quando éramos mais novos .
Será um segredo só nosso.
Eu ,você e minha boca cheia de poeira .

sábado, 10 de maio de 2008

poema em linha reta.

Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.

E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.

Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...

Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó príncipes, meus irmãos,

Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?

Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?

Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que venho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.

ÁLVARO DE CAMPOS

sábado, 3 de maio de 2008

são jorge e o dragão.

-Ok.
-Acertado?
-Sim,pode apostar.
Naquela noite eles pegaram o Ipiranga e se sentaram no fundão.Feriado prolongado ,busão vazio.O cobrador capotado de sono ,tremulava de um jeito engraçado quando o buso passava por buracos.
Deram risada vendo aquilo.Olharam um pro outro.Aquela seria uma daquelas coisas que dariam risada durante anos ;lembrança boa para afastar a morte quando tivessem velhos.
Là atrás ,o mais forte segurou a sua mão .O mais fraco olhou para os lados ,num instinto antigo quase que involuntário,numa tentativa inútil de perceber olhos que atravessavam a matéria.
O mais forte balançava a cabeça ,vendo a patetice do seu lindo namorado.Naquele momento, percebiam que estavam juntos e que nada mais importava.
Ele retribuiu o aperto e enlaçou as mãos com ele sem medo.
Desceram.O mais fraco estava com medo.
Mas ele,o mais forte, disse que o esquema era garantido;olhava de um jeito que dava para confiar.
Pularam o portão de uma casa como o combinado há uma semana,arrombaram a fechadura e entraram naquele sobrado estranho do lado de uma pizzaria com uma pintura horrível na fachada.
Ficaram maravilhados com o silêncio do mundo que tanto esperavam .
Treparam e pela primeira vez se sentiram sozinhos nesse mundo .Não tinham mais pudores .
Naquela noite se vingariam do mundo e cuspiriam na cara de todos vocês:pai ,mãe ,padre,os escrotos que deram porrada neles a vida toda ,as senhoras balançando a cabeça e esse mundo pretensamente moderno em que tinham que dar as mãos escondidos como vampiros em cemitérios, pela Avenida Paulista quando ninguém mais caminhava pela cidade.Vingariam-se de tudo e de todos ,beijariam a boca um do outro ,sim e beberiam vinho dizendo um pro outro que se amariam para sempre .E quando gozassem e explodisse aquela porra como grito guardado no peito,poderiam berrar com vontade aquele urro de raiva e alegria que esperavam a vida toda.
E foi assim.
Quando desmaiaram de sono de tanto treparem e chorarem por um mundo que só existia naquele quarto com uma pintura de São Jorge matando um dragão ,os sonhos em suas cabeças se preparavam para nunca mais serem realizados ou quem sabe,num outro quarto que não os pertencesse.
O mais fraco, chegou a conclusão que ele era a pessoa que procurava desde que nascera.
Acordou com o barulho de um tiro as 5:37 pelo rádio-relógio piscando de um jeito estranho.Mais forte não estava com ele ali nos lençóis..
Desceu a escada correndo pensando que o seu amor que acabara de nascer estaria morto ,pois aquilo era demais de bom para um desgraçado como ele fôra a vida toda;imaginava o corpo dele nu com uma bala na cara e ele choraria em cima dele desfalecido.
Tinha certeza que veria isso.
Na sala ,uma penumbra da luz do banheiro acesa chegava pálida a sala e seu amado,o mais forte, chorava com uma arma na mão ,agachado sobre o corpo de um velho barbudo se contorcendo em dor estirado no chão segurando o pescoço .
Agradeceu por não ser o seu amado com a bala no corpo e sorriu de um jeito tímido ,egoísta e sádico dentro do seu coração.Não se sentiu culpado ;não devia.
Abraçou-o todo assustado.
O mais forte não se mexia,só chorava.
-Quem é esse cara?De quem é essa arma?Cê tá bem,querido-passava a mão na testa do outro que suava quente como se tivesse febre.
Ele enxugou as lágrimas com a mão que segurava o 38.
-È meu padrasto ...-disse o mais forte.
Despencou em lágrimas.
O mais fraco se arrepiou ;toda a conversa que tiveram numa noite sombria pontuada por Johnnie Walker comprado na Pajé foi revivida .E o local se encaixava com a facilidade da noite em si.Teve uma clareza de tudo que ia acontecer e que tinha acontecido.
-È "ele","aquele" ?
Não respondeu.
O mais fraco largou o corpo do seu amado; também não pensou.
Foi para a cozinha .Rápido.
O outro ficou ali vendo o velho no chão com a arma na mão.O velho segurava a sua perna de um jeito fraco,com um buraco de bala no pescoço cheio de sangue empapando o terno todo.
O mais fraco veio num passo rápido, decidido e voltando para a sala.
Bateu na cabeça do velho com a panela de pressão mais gigante que conseguira achar embaixo da pia cheia de panelas e baratas .Chutou a cara dele com raiva e numa fúria batia a panela gigante com força na cabeça do velho repetidamente até quebrar todos os ossos do crânio do velho .
O mais forte se assustou,afastou-se e sentou no sofá vendo aquilo sem poder impedir ou fazer algo.
Bateu e chutou até não aguentar mais.Resfolegava de um jeito estranho .Não tinha mais força.
Todo banhado de sangue e pedacinhos do velho,veio abraçar o outro .
Não se mexeu.Não retribuiu.
-Eu te amo.Eu...
O outro disse que acreditava ,quando sentiu o sangue do seu padrasto tocar o seu corpo.
-Vamos para sempre ficar juntos não ,é!?Esse maldito não existe mais agora .Ele não vai mais voltar .Te amo.
E abraçou o mais forte que não retribuia o abraço e parava de chorar.Ficava frio.
Decidiu abraçar o seu vingador .Se beijaram na boca .Fechou a porta correndo e olhava para fora,vendo se alguém tinha ouvido aquilo.
Convenceu o outro a tomar um banho e disse que pensaria no que faria com o corpo do velho enquanto isso.
-Vai lavar esse sangue do corpo.Tudo vai dar certo.
-Te amo.
Quando ouviu o barulho do chuveiro sendo ligado ,o mais forte saiu correndo pela porta não ousando olhar para "aquilo" ali na sala.Pulou o portão.
Correu até não aguentar mais.
Nunca mais viu o mais fraco.
Foi preso três anos depois no Paraná num puteiro que trabalhava.
Denúncia anônima.Pagou sozinho.
Se enforcou numa noite infernal de calor com lençol na grade da cela ,umas quatro da madruga .Um preso que dormia amontoado no chão de corpos ,acordou com o barulho e assitia a cena.Falou meio baixo .
-Ô,a bicha vai se matar ,Tonho.
-Deixa ela ...-disse meio torto e bravo.
Na verdade,Tonho sonhava com a filha mais nova que chorava no colo da mulher e queria brincar descalça na rua com os amiguinhos.
E ele deixou.Assistiu a morte.
Aprendeu que se um dia tivesse que se matar ,não faria daquele jeito...

quinta-feira, 1 de maio de 2008

adeus ,tex...

Priscila dos Santos nasceu no dia 12 de março de 2008.
Era manhã de quarta-feira (umas 9:54) quando interviu numa discussão entre homens e seus blogs em guerra e uma garota chamada Denise que insistia em questões de direitos autorais.Às 9:55 seu post fôra publicado lá no no nosso velho di persona.
Nascia Priscila .
Priscila era menor ,mas seu aniversário tava chegando.Dezoito ,eu acho...
Ah meu amigo ,ela fazia Letras como eu queria fazer (e faço),mas é uma história triste e agora ,meu chapa, eu só quero falar dela: da amável Priscila dos Santos.
Essa criatura que entrou pela primeira vez aqui nesse blog duvidoso e me convidou para participar de um exercício de "expiração".
Ela ,essa Priscila que tinha uma risada tipográfica muito estranha ...
Mas eu,eu nunca liguei muito para o meu "instinto aranha"e disse :"Priscila deve ser uma garota amável e não desconfie ";que escreve poemas para uma tal de Maisa que deve ser uma garota de muita sorte por ter Priscila escrevendo estrofes e canções para ela pelas noites .
Ah,Priscila...
Vocês não entendem :naquele dia 12 de março ela nasceu pronta e não passou por rituais como o primeiro dente ,Freud dizendo algo sobre ela,menstruação ,frustrações amorosas,virgindade e formação de personalidade cruel e traumática para o desenvolvimento da sua subjetividade.Ela nasceu e viveu muito pouco meus amigos.E como poucos.
Ela sabia cantar !E eu gostaria de ter visto ela cantar e arrancar suspiros de todos .Porra ,eu tenho mó tesão de ver uma mulher cantar de um jeito íntimo só para mim , e fiquei imaginando ela cantando aquela música ;talvez a música de Maisa?
Não ,a música é da Maisa.
Cruel Maisa.Seria cruel ?Quem não te amava ,Priscila ??
Eu poderia enlaçar as mãos com Priscila ,mesmo que ela amasse Maisa.Mesmo.
Seríamos dois corações vagabundos que não se acharam no mundo e sabíamos que nosso amor ,aquele das músicas ,não estava ali no nosso abraço de saudade em que um não toca o outro;e nos permitiríamos "brincaramar" ,sabendo que amamos alguém que não estava ali naquele lugar onde violões ecoam e letras são escritas em madrugadas.
Amávamos outras, eu e Priscila ;e ela é minha irmã por isso e a amo.
Mas Priscila está morta .Ela nasceu de algo nosso ,meu ,teu ,do cara que tira o pipa dos fios para a molecada,nasceu de Florbela Espanca ,nasceu do cachorro urubu do Raul ,nasceu de um sonho ,nasceu da morte,nasceu de idiotice/inconsequência e daquilo que poderia ter sido e do que foi ao mesmo tempo.
Nasceu da cena do filme que cortaram da nossa vida e que queríamos viver;aquele roteiro que foi escrito e precisava ser terminado,aquela maldita rima que tá no seu caderno e você não terminou o poema.Nasceu de uma gota de sangue.De um filme besta que só você sabe o que significa.
Nasceu daquilo que nunca volta e só na sua cabeça essa peça é encenada.Temporadas enormes.
E Priscila nasceu disso.De toda essa porra que eu sinto,que ele sentia,que ela ali mais no seu canto sentia e você vai sentir um dia,nego.
Quantas vezes eu vislumbrei alguém como Priscila,alguém que sentasse ao meu lado no ônibus ,colocasse a cabeça no meu ombro e dissesse:
-Tudo bem,eu também tenho saudade.
Eu nunca deixei Priscila sair de dentro de mim.
A minha Priscila não se tornou alguém e é a minha voz que conversa comigo mesmo na madrugada ,que não deixa eu dormir durante dias e meses,que me faz pensar em outras coisas na aula,que me faz escrever em guardanapos de boteco,que me faz pensar "nela" e me faz sorrir com a lembrança ,a minha Priscila não saiu e nem sei se deveria sair de verdade.Ela está ali admirando uma parte do mundo que queríamos ver acompanhados de alguém que diria as falas de Priscila no nosso filme inacabado de um mundo visto pelo canto do olho do corvo quando não ouvimos Priscila na voz de quem se ama ,se tem saudade ou se quer encontrar...
Priscila está morta.
Morta .De verdade.
Não me venham com flores ou tapas nas costas.Não me venha com explicação!Quem disse que só vocês tem Priscilas?!
Quem disse que devíamos desenlaçar as mãos agora?
Eu nunca vi Priscila .
Nem enlacei as mãos com ela à beira do rio...