sábado, 16 de janeiro de 2010

con ti se va mi corazón (ou como nos tornamos reis) parte IV


IV
Não chego exatamente a criar uma aura de tristeza e desespero vendo Christine ir embora da minha vida numa casa que acabamos de herdar de seu tio, olho, respiro fundo; ela passa ali de vez em quando na sala de camisola, desce ao banheiro e confunde as luzes novas da casa: eu já decorei todas, gosto daquele lugar e explorei ele todo. Não me sinto triste e acho isso perigoso.
-Ok, vamos acabar a nossa história no meio do mato. -disse uma vez para ela dormindo.
Se eu fosse um inglesão com crise no casamento, daria um baile com mulheres de decotes fartos, ou ia meter bala na cabeça de raposas com sabujos enormes correndo para me sentir distraído. Homem com escudo.
Não sei bem se seria divertido. A idéia das raposas, sabe. Já a dos decotes...
Bailes?!
Não sei dançar, não sirvo nem para ser o senhor Darcy, personagem amigo do ricaço Bingley; é um desses caras que carregam uma certa arrogância-misteriosa-simpática; mas é culto e bem educado. Eu sou bruto, filho de mexicanos pobres que cruzaram a fronteira fugindo da Migra, nasci no duro Bronx, junto com a escória que a América insiste em matar legalmente todos os dias; não sou nobre. Já o senhor Darcy é esse cara enigmático, bem nascido, que não se mistura facilmente com a nobreza - se bem que me parece que ele é mais nobre que todos os inglesões-caçadores-de-raposa.
Numa conclusão estranha, chego a me simpatizar com ele de alguma forma: ao desenrolar das páginas amareladas, ele não parece carregar um escudo nas mãos e sua habitual frieza blasé, contrasta com alguma coisa que não sei bem ao certo o que é; ele possui uma argúcia de Dr. House por ter encontrado em Lizzy um objeto de estudo para os seus momentos de devaneios solitários, um problema agradável para a sua cabeça de monstro inocentemente analítico: Darcy vê em Lizzy um alívio de ver alguém que não é óbvio.
Eu curto o Darcy porque ele sacou que a Lizzy é bonitona. É isso!
Eu gosto de mulheres que não são óbvias, Darcy. Foi assim que conheci uma dessas há muito tempo lá naquele ônibus da faculdade em excursão para L.A: tudo colorido, bikinis, óculos escuros e camisetas horríveis do Bon Jovi; e lá estava ela com o seu vestido de alcinha branco e azul, de certa forma provinciana, uma coisa linda que destoava de todo aquele exagero-yuppie-eighties; carregava no ombro uma bolsa toda estilizada com uma pintura estranha de um velho esquisito.
Depois de um tempo, fui saber que era de William Blake.
Ignorante de Literatura que sou, dando vida a paginas velhas agora...
Essa visão despreocupada dela foi o bastante para mim, me provocou, igualzinho ao senhor Darcy olhando um monte de gente aparentemente sem graça em Merryton; aquele ônibus foi o meu baile barulhento efervescendo inconseqüência em que eu observava os movimentos da dança com cuidado. Se fosse rápido, óbvio, passava tudo rápido.
Não deixei que isso acontecesse.
Ajeitei os óculos escuros de praia naquele dia e reconheci que estava perto de alguém que me intrigava. Foquei nela, a que não era óbvia, senhor Darcy.
Quando contei para os meus amigos sobre a moça de vestido azul e branco na parada que o ônibus deu em um pub irlandês, ninguém me apoiou: zoavam dando baforadas de cigarro na minha cara porque ela não era óbvia.
Não me importei, ao contrário: deu coragem, tesão.
Lá nos conhecemos melhor e nos beijamos nesse lugar que se chamava Bloody Irish: o nome de várias coisas importantes que exaltávamos em nossas vidas ao longo da nossa história; era o filho que não tivemos, era um nome só nosso. Um lugar.
Era a antiga senha do computador.
Hoje, ela usa o seu nome na senha. Desconfiei que podia ser.
Por isso entrei fácil no notebook, por desconfiar que pensasse só nela.

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