quinta-feira, 4 de agosto de 2011

belmont em crise (I)

-Sr. Belmont?!
-Sim?
Água com gás. Tampinha de alumínio.
-Você não se importa em ser chamado de “senhor”, não é?!
-Não, que é isso!! Sou velho mesmo, já tenho barba e cabelo branco faz tempo. Até tenho alguns pelos do saco brancos (reparei outro dia, vida efêmera...); a idade em nada me desabona, pelo contrário: acho que até trepo melhor, respiro melhor, ma...
-Tudo bem, acho que o senhor já demonstrou o seu ponto de vista... Simplesmente não se importa com o tratamento. É só uma questão formal, respeitosa; nada muito complexo dadas as convenções...
-Desculpe, dizem que eu dou muitos detalhes desnecessários; “informação demais, Arthur” essas coisas...
- Muito bem, vamos direto ao tópico do nosso encontro? Seria prudente, pois já fui advertido a respeito da sua fama de grande tergiversador.
-Ok.
(sei lá que é isso...)
-O senhor tem feito pouco uso das ferramentas de comunicação ultimamente e co...
-Peraí! Que que você falou, mano?!
-Que tem feito pouco uso?! Qual parte, senhor? Quero dizer que tem usado pouco as ferr...
-Isso!
-“Ferramentas de comunicação”?
-Porra! Que que é isso?!
-Bem, e-mail, facebook, Orkut, blog: escrita. E existem outros tantos aparatos que re...
-Ãããhnnn...Fala português, tio!
-Bem, o senhor está começando a me constranger e acho que deveria demonstrar certo respeito perante a esse conselho que foi convocado...
Silêncio. 4 segundos.
-Afinal, o senhor não está numa posição muito confortável...
-Ãhan, desculpa.
-Dessa forma, responda, Sr. Belmont: qual o motivo?
-Do quê?!
-...
-Certo, certo... Sobre o motivo do meu afastamento da escrita, ferramentas... Bem, acho que eu não posso contar muito sobre isso, amigo. Isso explica um pouco do meu bloqueio também... Não, melhor não... Desculpe, seria meio “constrangedor” como você mesmo disse. Desculpaí.
-Acho melhor o senhor começar a fazer uso da sua defesa.
-Pode me garantir que não estamos sendo filmados? Ou que esse meu depoimento ficará em caráter estritamente confidencial.
-Sim, claro, Sr. Belmont.
-Gostou dessa?
-Perdão, não compreendi.
-“Estritamente confidencial”
-Sim, digamos que fez bom uso do vocabulário vernáculo, Sr. Belmont. Afinal, o senhor é um estudante com graduação em Letras e, às vezes, mal se porta como um.
-Como quem?
-... “como um estudante de Letras”?!
-Ah, me dizem isso! Toda hora! Digamos que essas pessoas que me criticam possuem uma “visão romântica e idealizada” da coisa toda, hehe! Manjou essa?!
-Não, senhor...
-Piadinha besta, fio. Esquece.
Silêncio. 7 segundos.
-Tá. Ok. Agora eu entendi. A língua é o meu tesouro, senhor! Portar-me-ei como um autêntico guardião!
-Sim! É isso que queremos, Sr. Belmont! Na verdade, encorajamos essas virtudes! Que faça uso das ferramentas e propague o seu conteúdo. Seja Patrício: escreva!
-Vixi... Aí...Nem, não posso mesmo...
-Então, qual o motivo? Não me pronunciarei sobre o assunto; aliás, garanto que o conselho ficará satisfeito com o que eu apresentar no relatório. Será estritamente profissional.
Olhar. Ressabiado.
-Me dá sua palavra?!
-Eu lhe asseguro com a minha própria honra, senhor.
-Nossa, isso é um grande alívio... Muito obrigado por me assegurar pela sua honra, filhote... Poxa, nunca me trataram assim. Nem mesmo a minha mãe me vê desse jeito...
Levanto. Deixo uma sacola plástica na mesa. Logo do Violeta.
-É para você. Este é o motivo do meu afastamento. Das “ferramentas”, escrita, essas paradas todas... Já assistiu “Zillion”?
Pega a sacola.
-Não. Deveria?!
-Nem. Você iria entender, só isso... Um abraço. Ah, e guarde o meu segredo, beleza?!
Passos. Corredor longo. Departamentos.
Longe.
Mais longe. Gritos. Resfolegando. Passos rápidos.
-(puf, puf) Sr. Belmont! (puf!) Muito obrigado! É um lindo suéter! Que ofício admirável!!!
-Br.. brigado...
Entreolham-se. Atraem muitos olhares.
-Porra, eu disse para você ficar quietinho, filhote...

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