sexta-feira, 14 de março de 2014

último dia em roma

Desciam as ruelas sinuosas. Despreocupados, chapados de vinho. Um grito.
– Fogo, fogo! Corram, salvem suas vidas, irmãos!!
Os dois correram. O fogo entranhava o horizonte distante em matizes cinzas e laranjas. Chamas impetuosas erguiam aos céus. Casas pobres, de madeira, de tijolos; ruíam em segundos com baques violentos. Longe do caos da morte e gritaria, choraram juntos e apoiados um no ombro do outro. Contemplavam o apocalipse.
– Aonde vamos agora?! Aonde vais, irmão?!
Os dois olharam para baixo.
Um plebeu surgiu entre os amigos. Corria. Resfolegava, sofria. Gritou aos amigos, pedindo ajuda. Esfumaçado, queimado e parcialmente deformado.
– Foram os cristãos! Morte aos cristãos!
Os dois se entreolharam. A enorme bola de fogo engolia a cidade.
– Assassinos!
O homem queimado chorou de dor, desolação. Cansou do choro.
Os dois continuaram as andanças. Não tinham familiares: os pais morreram cedo e eram amigos de infância.
O mais jovem disse ao homem queimado:
– Tens família, irmão?
O homem chorava...
– Não! Não tenho ninguém! Ninguém!! Estou perdido nesse mundo no último dia dessa cidade!!
Os dois olharam o pobre coitado.
– Tens a nós, amigo. As coisas ficarão feias nessas ruínas. Vamos embora. Essas enormes edificações, essa cidade… tudo aqui não foi feito da noite para o dia, mas, veja… como as ruínas em chamas cedem em questão de segundos…
Os três olharam as ruínas. Extasiados. Horas e horas.
– Ao inferno com os romanos e os cristãos. Provavelmente isso continuará por anos … Jesus está morto e o Imperador sorri do alto do cume lá longe na única edificação intacta! Vês? Estamos sozinhos, os três... distantes do calor, mas como é bela a pintura...
Fogo. Labaredas. Inferno. Carne.
Viajavam às cidades e contemplavam homens decapitados e esquartejados pelas estradas. Doentes de malária. Eram chamados de criminosos. O legado do fogo era imortal.
Admirando as chamas, os três frequentaram diversos vilarejos e atearam fogo nos lugares mais inóspitos e pobres durantes duas décadas. O fogo consumia tudo. Somente os imponentes prédios permaneciam.
Iniciaram um culto. Orgulhavam-se de seus feitos. Ganharam adeptos.
Os primeiros amantes do fogo, os incendiários e piromaníacos, nasceram dessa comunhão dos três homens sem família e nada a perder. Pelo poder da chama, eis a extensão da irmandade. Cidades e vidas consumidas até o fim dos tempos.

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