terça-feira, 2 de fevereiro de 2016

pistoleiros, bandidos e amantes



“So they gave me a tin hat, and they gave me a gun,
and they marched me away to the war.
And the band played Waltzing Matilda,
as we sailed away from the quay”
Eric Bogle - And The Band Played Waltzing Matilda


Ao menos tentaram…
Durante a longa despedida, esbarraram em fotos amareladas de desconhecidos, flyers de shows de bandas antigas e tickets de filmes que nunca viram. Entre outras coisas sentimentais e esdrúxulas. As mochilas, cheias de tranqueiras, não ofereceram mais espaço (ou vontade) para essas lembranças prévias.
Afinal, para o batismo de fogo que enfrentariam, não havia espaço para essas futilidades de outrora.
Seguiram com ‘aquilo’ até o permitido e, ao que parece, não tinham sentimentos recorrentes, duvidosos ou duradouros sobre a decisão do término. O que não previram foi o inesperado (e derradeiro) fim de todas as coisas, de tudo: dos tecidos, das relações antropológicas, do desapego pragmático que a luta trabalhista impôs em tantas rotinas, etc. No fim, “o mundo já estava assim”, acabado, como previra o pistoleiro niilista e enigmático da Vila Beatriz chamado B.B.
Notícias distantes de bunkers na Zona Oeste. Gangues que ouviam Doo Wop com crianças armadas.
Era o fim das coisas, das relações dos seus corpos e do espaço entre eles; mas, certamente, novos destinos eclodiriam de seus monitores verdes acoplados nos braços com GPS.
Eles tinham esse trato.
Rumaram para fora dos bunkers, distantes, taciturnos e olharam a vastidão do mundo à frente. O horizonte vermelho alaranjado empoeirado. Respiraram fundo; naquele momento vislumbraram as promessas de todas capivaras radioativas famintas pelo caminho, dos mutantes, assassinos e rebeldes que enfrentariam da Zona Norte ao infinito.
A separação foi inevitável. O ar, rarefeito, descia lentamente aos pulmões dos dois como o veludo azul (e macio) deslizando na perna da burlesca dos cabarés. O que se seguiria a partir daquele momento emblemático foi apenas uma consequência daqueles votos passados com promessas bêbadas feitas com rum artificial em um telhado.
O horizonte, vermelho e intocável, banhava a saída dos dois agora. O dia esperado.
Um colocou o fone de um velho tocador de vinil automático rolando um single da época das Big Bands. O outro, enfrentava a imensidão radioativa com uma shotgun serrada em punho e com cara de poucos amigos.
Mal se olharam na descida das escadarias. Era o prometido.
Jamais seriam os mesmos. “O mundo já não era”. Eram homens que já se amaram, e isso era, aparentemente, somente o que restou para alguma lembrança rápida de um período de privação, trepadas e uns cigarros enrolados em madrugadas de luas tímidas na ZN.
Não há mais lugar para o amor, só a pilhagem. Eles sabiam disso. Agora. E isso era tão excitante quanto o início de um romance, ou das possibilidades de solteiros. A aleatoriedade, o duelo e a paixão pelo oculto os levariam às mais intrépidas matanças, desespero e aventuras nas ruínas. Os dois, sem saber, atravessariam uma guerra de cem dias que se desenrolava na Zona Oeste. Em lados opostos. Até o tal do B.B cruzaria as consequências desse desenlace amoroso nas escadas de um prédio em ruínas na Zona Norte.
(deixemos esse capítulo para uma outra resfolegada de ar do mundo novo. por ora...)
Olharam à frente. Ouviram os próprios passos se distanciando um do outro. Apenas uma olhada para os próprios pés e coturnos.
A Big Band rolando, furiosa. Duke Ellington massacrando um piano gloriosamente.
O cano da Shotgun batendo no ombro revestido de metal.
Essa merda de amor era um troço superestimado agora: nada era mais fascinante do que a imensidão silenciosa dessa cidade destruída ou das vozes subversivas incitando revoluções e pilhagens nas ondas das rádios-piratas. 

continua...

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