segunda-feira, 30 de julho de 2007

-tio,eu não sou tão óbvio assim.

Fui ao Playcenter há um tempo atrás (sei lá, 3 ou 4 anos) e tudo me pareceu diferente...
Houve uma vez (uma cara) em que eu e meu irmão enchemos tanto o saco da minha mãe para irmos lá que ela gentilmente nos levou num desses dias meio cinzentos e típicos de Gotham City aos sábados.Chegamos umas nove da manhã e caiu uma daquelas inesquecíveis chuvas de infância; e lá se foram as crianças a se esconderem em sombreros gigantes multicoloridos e mesmo na chuva sorrindo.Naquele desespero momentâneo, estrategicamente as barracas de "abrigo" eram verdadeiras lojas de tranqueiras em que se pagava pelas bugigangas inúteis na hora, ou envolviam um péssimo jogo de azar sacal como por exemplo encher as malditas bocas de palhaço com tiros-d´água...
Pensando bem agora (e isso só me ocorreu nesse instante), quem teve a doentia idéia de criar um brinquedo em que você aponta uma porra de uma arma para a boca aberta de um palhaço fazendo cara de feliz?
Bem..
Nunca consegui ganhar nessa coisa: sempre tinha um molequinho arrogante geralmente de cabelo preto engomado e penteado pela mãe usando umas roupas apertadas e shortinhos minúsculos que sempre era mais rápido que eu.Sempre.
Tudo que eu queria era um daqueles tigrinhos da Olimpíada de L.A : todas as crianças tinham aquela merda, porque eu não podia?Meu irmão acabou ganhando em algum brinquedo que não me recordo, talvez tenha estourado os miolos de algum palhaço pelo parque...
Mas quantas cores existiam naquele tempo cinza: brinquedos que eram uma verdadeira epopéia de diversão-tamanho-complexidade como aquela mulher gigante em que você literalmente "entrava" dentro dela a explorar os seus órgãos (muito didático), umas sombras-macumba em que você fazia umas poses e elas ficavam "presas" na parede do jeito que você planejou, o maravilhoso trem-fantasma ou Casa do Terror em que havia um caixão a passar pelas múmias gigantes e Lúcifers sorridentes de costeletas e cavanhaque que nos lembrava um dos nossos filmes preferidos quando éramos crianças :
-Bi,vai passar "Pague para entrar, reze para sair" hoje!
-Obaaaaa!!!
Era sempre num sábado de madrugada depois do Supercine, algumas vezes por ano ...
E tudo isso estava bem vivo na minha cabeça há uns 4 anos atrás quando fui parar lá numa circunstância bizarra que não vale a pena ser mencionada; tão vivo que ao atravessar as catracas fui me lembrando das crianças que não aguentavam de excitação e iam correndo apontando para todos os brinquedos, como naqueles flashbacks de filmes em slow-motion:
-Não corre!Dá a mão !-diziam as nossas mães em uníssono universal na película da minha mente.
E logo na entrada ficava o Viking!Nossa, como eu adorava aquele brinquedo!Barco viking gigante musicado pelo grito de terror gostoso de todos nós que éramos crianças, gritos bons: de quando se sente uma coisa pela primeira vez na vida e dá um frio na barriga por que é diferente e sublime, é bom...
Mas, cadê o Viking!?
Uns brinquedos mirrados, umas rodas gigantes caquéticas, montanha russa minúscula, umas rodas raves para criança com música eletrônica ruim organizadas por umas mulheres feias (!), uma simulação duvidosa de terceira dimensão que custava uns 10 reais para usar e creio que não deveria ser mais emocionante do que os óculos 3-d que eu mesmo fiz com papel celofane para jogar Nintendinho...
Curiosamente não haviam tantas crianças (não sei se era porque era terça) e sim muitos adolescentes que vão parando e conhecendo umas menininhas instantaneamente no caminho e apostando quem vai beijar mais do colégio: certamente mais interessante do que as minhas andanças procurando tigrinhos ou a máquina do "elevator action" para jogar uma ficha...
Ah sim, achei o Viking!
Numa tristeza infantil constatei que ele não me parecia o mesmo: era menor, mais feio, todo desbotado pelo tempo ou pelo descaso .Eu não tinha certeza se era o mesmo Viking de antes e não sei se era o brinquedo que tinha mudado ou eu.Mas os gritos, eles continuavam ecoando pelo o parque e foi a única sensação que tive que me era familiar, que já tinha sentido e ao ouvir aqueles sons agudos pelo parque fiquei com aquela cara de tonto emocionado ,com um sorriso meio torto e patético que me é particular.
Há uns 2 anos atrás a Dungeon em que eu trabalho foi reformulada e fomos à loja uma hora e meia antes para assinar a papelada (a mesma, mesmos números,termos) feito isso tínhamos uma hora e meia para lanchar, bater punheta ou encher a cara e chorar por mais uma existência nula em empregos autorizadas com o nosso próprio punho e auto-consentimento.Não sei de quem foi a idéia de ir ao Instituto Butantã.Mesmo.
E tudo era tão pequeno, vazio e difícil: como as cobras que se arrastavam tristemente pela mata sem graça e quase artificial, usando a sua camuflagem para se esconderem de um monte de humanos estúpidos e arrogantes.
Desde pequeno eu tinha uma fascinação por aqueles "serpentuários": pareciam umas casinhas de eskimó feitas daquelas paredes cheias de pedregulhinhos da tiazinha que não devolvia a nossa bola de capotão e atirávamos mamonas para deixá-la toda verde e horrível como vingança.
E hoje, depois de dois anos lá estava eu andando pelo "serpentuário", numa linda ponte suspensa que outrora foi construída para se olhar as cobras por cima, agora possuía uma visão privilegiada para o nada: haviam retirado as cobras há um tempão desse local e tudo que se via era o musgo que se acumulava na antiga "piscina" onde os pobres seres antes se refrescavam e recordavam que a vida no mato era boa, folhas mortas que lindamente iam caindo, dançando e rodopiando em espiral das árvores.
E lá fui eu subir na ponte de ridículos três metros de altura para não ver nada a não ser abandono e um tiozinho que limpava o chão com aquelas vassouras de folhas, ficou me olhando e eu sabia exatamente o que ele pensava, como Bandini sabia o pensamento de maldade dos trabalhadores da fábrica de sardinhas...
Eu sabia que eu era o único adulto que teve a curiosidade de subir ali para não ver nada em muitos anos.E ainda parei no meio da ponte e me apoiei com o queixo sobre os braços como o meu cachorro faz quando está entediado,só para contemplar "aquilo".
Apesar de feio, eu vi beleza naquilo .
Não sou mais criança, eu sei .
Mas ,tio,os meus pensamentos não são tão fáceis de se adivinhar :eu sei que parece patético ,curioso e previsível o meu andar e determinação ao subir nesse lugar que todos esqueceram ,mas eu lhe garanto que não sabia o que eu pensava quando me apoiei sobre meus braços como cachorro e sorri bem ridículo.E torto.
Isso já não é tão fácil, mas é um pensamento-lembrança que me fez sorrir como os gritos de um certo barco Viking e parques desse mundo...

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