quarta-feira, 28 de maio de 2008

catorze aves mortas.

Um garoto de cabelo loiro todo sujo, camisa de flanela e com seus lá nove anos, junta pedras todas as manhãs num saco de pano.Cabelo loiro ensebado.
Com um esforço descomunal para uma criança ,carrega as pedras numa trouxa com o saco.Vai para a feira que acontece todas as quartas-feiras lá na Vila.
Senta.Toma um caldo de cana que a tia toda remelenta e louca paga sempre para ele;o mais engraçado é que ela é que acha que o zoado do muleque é xarope...
Quando a feira termina ,fica observando as tias pegando um resto de tomate bichado que a japonesa arranja ali,um alface jogado lá pelo chão ,umas caixas que ficam para o pessoal que esperam o final da feira...
Com a sua faca ,corta uma laranja que pegou lá na sarjeta.É limpa e a faca corta tudo.
Terminado o espetáculo que ele aguarda todas as quartas,chega o momento em que anseava:lá perto do pastel ,tem um monte de pombas paralíticas e fudidas ,pombas que já tiveram belas asas e penas vistosas.Elas ficam lá: ciscando qualquer fiapinho de massa frita que possam jogar goela abaixo ,engolindo sujeira e bebendo água de esgoto .
Vida de pomba de Gotham.
Quando nem mais nem menos,uma pedra bem pontuda corta a cabeça de uma .Outras são esmagadas por uma pedra mais chapada e pesada .Outras ,ficam paralíticas por um segundo com a pancada nas asas,em outro ,já estão mortas indo pro inferno das pombas com um golpe de pedrada certeiro do muleque.
Os caras da feira já tentaram fazer o muleque parar ,mas ele se mostrou ameaçador uma vez que o moleque do peixe veio falar do assunto:
-Pára com isso ,moleque Cê é xarope!?
O moleque não disse nada.Passou a manga da camisa de flanela num ranho que caia de cinco em cinco minutos e fungou algo.Segurava o saco .
A matança continuava .
Depois que acabaram aquelas pedras especialmente selecionadas do seu saco de pano,juntou aquele monte de pombas-mortas-cheias-de-sangue-penas uma em cima da outra e fez uma trouxa com o saco.
O caminhão que limpava a sujeira da feira já tava lá com aquele barulhão e todos já tinham ido embora com aquela aguaceira barulhenta,menos o moleque .Sentado,comia uma tira de tomate com a faca na rua.
Não tinha medo do barulho
Tinha uns malucos lá na Vila que achavam que o muleque de tão fudido na vida,comia todas aquelas pombas assadas num latão qualquer embaixo duma ponte .Um foguinho tosco aceso;um latão preto de sujeira.Ele e sua família.
Mas o que ninguém nunca soube (inclusive o fato de enterrar todas) ,é que ele ,o muleque loiro de camisa-flanela-ranheta achava simplesmente aquelas pombas indignas de fazerem um troço daqueles :ficar pegando migalhas numa feira tosca enquanto poderiam estar voando com suas asas para bem longe dessa miséria .
Ele ,não era como as pombas...

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