quando o circo chegou, foi um evento daqueles... um acontecimento tão singular, que só eu me recordo do ocorrido. de todas as pessoas que compartilharam as minhas vivências e espaços, de todos os residentes que me viram subindo a rua de casa para comprar pão todos os dias, ou em busca de revistas perdidas e quadrinhos em lixeiras nos bairros ricos; parece que só eu vi o circo passar na minha vila. acrobacias, palhaços altos e esguios, malabaristas jogando pinos na altura dos prédios da rua da feira. era um sábado. nossos pais estavam de folga e todos pareciam felizes, de mãos dadas com quem amamos um dia. algodão-doce rosa. eu, tão medroso, aguardava a minha vez na fila para pular na cama elástica. quando chegou a hora, eu estava lá, todo amedrontado, não conseguindo brincar ou pular no aparelho, agarrando-me às tiras elásticas do aparelho em uma posição semifetal, mijado; chorei pelo meu medo de estar ali, no centro dos acontecimentos. naquela rua cheia de gente e palhaços sádicos apontando o dedo para mim.
delírios em dias febris. sou eu, aquela criança. para sempre. um prato cheio para os psiquiatras, conversas de cantos e prescrições experimentais.
e todos, todos vocês estavam lá! rindo de mim na minha vez; o mais estranho, mesmo, era isso: o rosto de todos espectadores... sim, eu me recordo perfeitamente; vocês, isso mesmo, todos vocês estavam lá! testemunhando, e roubando para sempre, aquele momento insólito e íntimo de abdução involuntária da minha infância.
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