sábado, 18 de agosto de 2007

mizoguchi-ugetsu monogatari(1953)


Se eu tivesse uma avó japonesa certamente a véia estaria comigo para assitir essa poesia de Mizoguchi que reúne tantos elementos clássicos de contos japoneses.E envolve um período fértil de histórias, que foi o período da guerra civil e aquela treta maldita entre Oda e Tokugawa.
Tinha um monte de gente na sessão e uns 30% eram velhinhos e eu achei isso ducaralho.
Estava um trânsito absurdo e mesmo com o "nosso corredor", levei uma hora e meia para chegar; quase perdi a sessão, mas a culpa não é da cerveja, desta vez não obaa-san...
Eu adorei esse filme: é tudo o que um grande japonês-bastardo que nem eu usou como referência até agora.Tudo o que se admira e leva como referência dos contos e filmes japoneses sobre samurais, demônios, kabuki, guerra e amores impossíveis está ali.
E mulheres fortes.As "quase" irmãs de Oharu-chan.
Esse é o lindo "Contos da lua vaga depois da chuva", famoso "Tales of Ugetsu " para os gringos e se eu não me engano (uma teoria minha), talvez seja um dos filmes mais populares de Mizoguchi fora do Japão, tamanha é a dedicação de palavras que os gringos dedicam a ele em suas resenhas.
Começa o filme.Bem lotado mesmo, eu gostei de ver gente assistindo essa mostra e prestigiando: uma das melhores aqui em Gotham City.
Mas não é que me senta um cara do meu lado com umas bostas de umas revistas no colo "Home Theater" e "Men´s health" e um saquinho infernal de sei lá o que era, se é amendoim ou algum grão que a Men´s Health disse para ele obter os seus músculos e corpo torneados.
Um saco infernal: um filme silencioso e permeado por imagens dos campos no início sem a guerra e com uma fotografia linda (uma das mais lindas que eu já vi.sério) e esse filho-da-puta- narcisista fazendo aquele barulho de plástico que ele sabe que incomoda naquele silêncio e então (como se fosse adiantar algo) começa a comer bem devagar!!!!Um saco que se desdobra em milhões da barulhos a cada movimento mínimo ao som de uma coletânea de "Os sons mais irritantes já criados no mundo".Uma tortura ele pegando um de cada vez esse saco infinito de culhões de hamster ou sei lá o que a "Mens´s Health" diz para se obter mais potência no sexo.Matéria da capa...
E mastiga lentamente, como se não fizese barulho aqueles culhões pequenos!
E o saco não acaba!É infinito!É um saco mágico das terras dos Homens-Saco feito magicamente para atormentar os malditos (que como eu) querem ver o filme!O saco dura o filme todo!E quando termina o filme o maldito ainda está com o saco na mão comendo!!Um saco do tamanho de um pacote de Stiksy!!!O Milagre da multiplicação do saco!!
Bem...
Que fique registrado que eu o odeio.
Esse filme é formado por dois contos japoneses e o mais genial é que eles são um só e independentes na narrativa: num vilarejo de trabalhadores humildes vivem Genjuro (Mori, fantástico), um talentoso artista da cerâmica que trabalha com sua esposa Miyagi e o pequeno Genichi.Esse é o casal que forma um dos contos.Ao lado vivem Tobei, um desempregado que sonha em ser samurai (cunhado de Genjuro e irmão de Miyagi) e sua esposa Ohama (fiquei impressionado com a beleza dessa ótima atriz chamada Mito Mitsuko).
Os dois casais são ligados obviamente pelos fortes laços de família e o trabalho.Enquanto Genjuro no início do filme vai para a cidade grande tentar vender suas obras e sustentar a família (e se dá bem nisso inicialmente), Tobei é um desajustado que quer se tornar samurai, mas não tem talento algum para isso e ignora a condição da esposa e os deveres, chega a fugir mas é humilhado pelos samurais que dizem a ele que "não passa de um mendigo e deve arrumar uma armadura e lança".
O início da separação entre o curioso grupo se dá com a guerra civil chegando ao vilarejo desses fudidos trabalhadores e suas pequenas plantações de arroz.A câmera de Mizoguchi "passeia", inspirada, mostra esse dois momentos (paz-guerra) com uma beleza ímpar, principalmente quando o exército de Shibata chega a vila e aquela paz que os próprios moradores sabiam que não ia durar muito é abalada: os momentos são mais cinzas, monocromáticos e se vê que é uma arte saber fazer um filme em preto e branco com um fotografia dessas.
O grupo foge deixando toda a produção que ia lhe garantir o sustento.Genjuro e Tobei (que firmaram um acordo de trabalharem juntos ), irão perder tudo e isso não pode acontecer, tanto que deixam muita lenha no forno para que as peças não fiquem inúteis.Quando o exército for embora, prosperarão.A guerra.
E esse grupo perambula fugindo da guerra, mas é inútil.Tobei ainda quer ser samurai: chega a roubar uma parte de armadura.Genjuro milagrosamente salva a sua produção de arte.Estaria tudo resolvido, mas na viagem que salvaria as suas vidas para a cidade, piratas atacam o mar e Genjuro resolve deixar a mulher em terra para salvar ela e o filho: iria sozinho para a cidade com Tobei e Ohama.
E fica a mulher com o filho, vivendo em escombros com cheiro de queimado.Com fome .
Tobei rouba o dinheiro da venda e foge para comprar uma armadura sem dor na consciência .
Ohama vai atrás do marido desesperada e acaba sendo estuprada por homens que depois de gozarem e se divertirem jogam umas moedas na cara dela.Vira puta.
Genjuro se apaixona pela Lady Wakasa.E vai viver com ela .
Esses personagens desgraçados perambulam pelo Japão com fumaça preta para todo o lado e se vê um mensagem bem clara: os homens pelos seus sonhos e ilusões (Tobei que quer ser samurai e Genjuro que esquece da mulher que está cuidando de seu filho e parte para comer a linda fantasma Wakasa).E as mulheres se fodem mais uma vez, um exército de Genis :Miyagi sendo saqueada e se escondendo mais que o Adriem Brody em "O Pianista" e Ohama virando puta e desgostosa com a vida.
Uma desgraceira só.Uma poesia dura e bela.Inspirada, a câmera passeando por essas vidas desajustadas e separadas pela guerra.
Minhas cenas favoritas:
-Genjuro quando percebe que há algo errado em seu amor por Wakasa, encontra um monge exorcista que "tattooa" com kanjis várias rezas e selamentos para acabar com a ilusão.Eu achei muito loca a tintura, daria uma bela Tattoo.Uma cena perturbadora se inicia com a velha que começa a dizer como a Lady ficará sofrendo com a perda desse amor e ela começa a abraçá-lo pelas costas de um jeito assustador.E a reza começa a fazer efeito.Wakasa possue a expressão de ternura e inferno em sua fúria.
Essa cena é maravilhosa: luz de velas tremulando, a velha armadura do pai de Wakasa.Genjuro dando golpes com a katana no vazio.Demais.
-Tobei finalmente consegue ser um samurai respeitado por todos quando mata covardemente um samurai que havia decaptado o mestre dele a pedido do próprio e leva a cabeça desse que era um grande general poderoso e inimigo (hum...covardes de guerra e carniceiros que se aproveitam com a morte...já vimos isso últimamente ,não é?!): obtém cavalos, vassalos e muito dinheiro.Parando num prostíbulo ,começa a contar suas glórias de guerra que nunca aconteceram (esse ator se transmuta nessa hora: fala diferente, todo pomposo, físico muda.Atuação fantástica.) ,quando encontra Ohama (que mulher linda, pintada naquele estilo bem japonês!) saindo na porrada com um cliente que não quis pagar pela foda.Os dois se reencontram e num jardim a luz do luar, Ohama descarrega sua decepção dizendo que todo o dinheiro que ele ganhou com glórias que agora o usasse para comer a ex-mulher que virou puta por causa de uma merda que ele fez.Os dois se agarram chorando no jardim.
Filme poético.A guerra fodendo com o povo.As crianças perdidas em meio a isso tudo.O amor sobrenatural e ilusório, passageiro e pequeno perante a pobre Miyagi.Sonhos bestas de glórias numa época desgraçada com fumaça preta queimando em qualquer canto.
Mizoguchi é muito foda.
E na volta para casa andando com a cara perdida e colada no vidro do ônibus eu enxergava a fumaça por entre os arranha-céus da Paulista.Tem algo queimando no momento.
Mas ninguém vê.

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