quarta-feira, 15 de agosto de 2007

ozu-hitori musuko(1936)


Existe um mundo estranho lá fora que eu pouco conhecia ou quase não tinha contato: o das coisas grátis e de qualidade e em horários/dias humanos e justos.Eu posso dizer que essa mostra "Mizoguchi-Ozu" é uma das coisas mais locas que aconteceram em termos de cinema gratuito para nós que não temos dinheiro e possuímos um certo gosto duvidoso e obscuro.Basta isso.
O Centro Cultural é foda: depois de um momento antológico e ímpar na minha vida assistindo a mostra do grupo de teatro "Cemitério de Automóveis" esse ano eles aprontam essa mostra desses japoneses fudidos que influenciaram meio mundo no cinema (bom) afora.
Depois de acertar detalhes ilícitos e ilegais com um amigo no centro da cidade decidi ir lá no Centro Cultural ver "O filho único " de Ozu Yasujiro.Quando cheguei na bilheteria eu era o primeiro e aparentemente o único nego para esse filme; eu tenho uma sorte com balconistas educados sendo eu mesmo um de quarto dan nessa profissão ingrata:
-É ..oi ...Ah, por favor, eu vim pegar ingresso para a mostra de cinema japonês...
-Ah, mas não tá aberto ainda.Mostra?
-É ...
-Ah!-fez uma cara feia.E emendou:
-Volta mais tarde.
-Mas...é...não é uma hora antes que dizem para pegar o ingresso?Umas sete e quinze?
-É.
-Que horas são mesmo?
-Não sei .
Uma moça que estava atrás de mim na fila me disse: sete e treze.Falei:
-Ah,tá bom...Mais tarde (olhei para a moça do relógio) daqui uns dois minutos eu volto, tá bom?
Depois dessa fui olhar umas fotos de balé que estavam numa mostra lá no pátio ( na verdade foi uma), sei lá o que que era aquilo.Voltei para pegar o ingresso...
Quase perdi a sessão, pois estava num barzinho ali dentro (caro pra caralho) bebendo cerveja e escrevendo bobagens no meu caderninho e mesa; perdi a noção da hora .Não tenho relógio e vivo perguntando a hora só quando ela realmente importa para mim.Coisa feia hein, Belmont.
Assistir a esse filme foi uma experiência fudida de boa, pois era uma exibição em 16mm e acredito que ver daquele jeito a tela deveria ser uma experiência bem próxima como a que viram na década de 30: com seus borrões, riscos e som cortado.E é assim que deve ser o cinema ;achava uma bosta aqueles fillmes colorizados por computador que a Globo exibia orgulhosamente no começo dos anos 90.Imaginei um cinema japonês cheio as senhoras chegando com seus kimonos e sombrinhas e os senhores que já há um tempo usavam ternos desde quando as máquinas chegaram por lá em Kyoto.Isso, de acordo com o desenho "Samurai x(rurouni kenshin)...
Esse trabalho de Ozu viria a ser o seu primeiro filme sonorizado e saber disso me deixou muito empolgado, senti um privilègio de estar ali naquele lugar.Esse é um filme histórico do cinema mundial e o bom é que eu não estava vendo no Corujão da Globo dessa vez.
Fala-se de sonhos no filme: o filho único que está vendo os seus únicos amigos da escola indo embora para Tokyo estudar e sua mãe pobre da classe trabalhadora japonesa que não pode realizar o sonho do filho, pois a educação lá é muito cara.Quando essa trama é apresentada, você já sente uma identificação (eu senti) e creio que se esse filme fosse apresentado para as mães brasileiras na mesma condição social, elas certamente iriam balançar a cabeça e concordarem em seu íntimo que esse problema ultrapassa as fronteiras (até hoje) ;somos todos japoneses e de qualquer nacionalidade nesse mundo, darling...
"Se liga negão ,o mundo é injusto..."
Na segunda parte do filme a mãe se sacrifica para mandar o garoto para Tokyo e a cena é linda , pois ela se despe de todo e qualquer desapego como mãe e reconhece que esse será o melhor caminho para o filho ,e somos japoneses ,pois nossos pais nos diziam quando éramos pequenos( eu me lembro disso)"Faça o que eu digo..."
O resto a gente já sabe.
O garoto se forma e como somos japoneses sabemos que o destino de todos que cursam a universidade nem sempre é o daqueles das brochuras de universidades que eles distribuem nas ruas: aquele pessoal branco/sorridente num jaleco qualquer e saudável.Sabemos que os sonhos nos movem, mas não se sabe aonde e em quais condições.
Ryosuke (o filho já formado) é pobre, odeia o emprego e mal consegue sustentar a jovem mulher e o filho recém-nascido, quando a mãe decide visitar o filho na Tokyo dos anos 30 pede dinheiro emprestado para todos, se enche de orgulho e faz uma montanha de algodão doce de aparências para que a mãe veja o quanto ele prosperou; mas ele tá fudido, nego, sem dinheiro ,sem sonhos e com vergonha de si mesmo e o filho chorando pequeno...
Eu não pretendo contar o filme inteiro, mas uma cena em particular me impressionou, tamanha a sua beleza, lirismo, tristeza de sonhos e constatações.
Andando num campo lindo e ao fundo de uma fábrica (que segundo Ryosuke "diz queimar muito lixo pois tem muito lixo em Tokyo"), a mãe e o filho sentam-se sob o chão de terra e plantas tremulando com o vento.Ryosuke diz para a mãe velha:
-Mãe, a senhora não está desapontada com o que me tornei?
A mãe não entende.
-É que eu não estou contente comigo mesmo, mãe.
E nesse cenário acontece uma das cenas mais tristes e belas do filme ,esse papo de mãe-filho cru, direto e sem máscaras.É tudo um "desespero silencioso", como vi um cara escrever num review da net, sem aquele clima de filme hollywoodiano exagerado ,moralista e irreal; o cinema japonês é isso.Dizem que Ozu influenciou toda sétima arte por lá, com seus plano-sequências maravilhosos desde então, silenciosos e sem apelos para o óbvio: Ryosuke faz essa confissão para a mãe durante todo o tempo num sorriso doído ...
E eu me identifiquei com esse momento .Os nossos sonhos nos movem e sempre precisaremos deles, mas o destino é uma estação diferente na estação; chega um momento na vida em que você é o Ryosuke e se faz essa pergunta.
Saindo do cinema após esse momento cinematográfico fantástico, uma cena triste e surreal se criou a minha frente: umas crianças de rua estavam numa espécie de casinha laranja no gramado fora da CC com um buraco convidativo que parecia aquelas casinhas de índio no desenho do Pica-pau, em cima da entrada cortada a improviso,se lia a seguinte inscrição :
"Aqui ,as suas angústias são bem vindas."
E eu me senti o mais japonês de todos .Me chamo Ryosuke, nego.

2 comentários:

  1. Wellington Lemos da Silva19 de dezembro de 2009 às 09:11

    tem como down os filmes que tem neste sitio, espero que sim pois faz tempo que procuro filmes de OZU e MISOGUSHI e só encontrei aqui.
    parabéns pelo sitio
    Wellington
    se possível me avisem se tiver jeito de fazer o download dos arquivos

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  2. Wellington Lemos da Silva19 de dezembro de 2009 às 09:12

    et. meu email arbirojaboro@bol.com.br
    Wellington

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